Enquanto
cidadão, membro independente do sistema nacional de justiça, ex-militante do
PPD/PSD, leio com muita preocupação o texto de Armindo Azevedo, Grão-mestre da
Grande Loja Legal de Portugal, intitulado “A Lei da Memória e a maçonaria”
(Jornal Público de 14 de outubro de 2022).
Armindo
Azevedo afirma, a propósito da obrigatoriedade de titulares de cargos públicos
declararem em registo de interesses a sua filiação na maçonaria, que se trata
de “salazarismo puro” e que “infelizmente, a imposição da obrigatoriedade viria
a tornar-se uma realidade, devido ao sentido de voto combinado do PSD e do PAN.
Sendo evidente, entretanto, que se registou uma mudança significativa na
postura do partido social-democrata após a mudança da sua liderança, esperemos
que se possa em breve reverter a decisão do Parlamento”.
Refere-se, com
certeza, ao rumor de que o atual presidente do PPD/PSD, Luis Montenegro, é
maçon. Ou será que o afirma? Nesse modo ocultista que os “burros de ouro” (ou
“não iniciados”) pensamos que deve ser o de um maçon? Que eu saiba, o próprio
Luis Montenegro nunca o afirmou, nem desmentiu. Mas a “mudança significativa”,
após a “mudança de liderança”, implica-o. O que me preocupa.
A maçonaria é
uma obediência. Uma hierarquia. Tem um “Grão-mestre”, pelo menos um – já que
nem sequer sabemos se é verdade que continua a existir uma linha de obediência
“francesa” e outra “inglesa”. A tanto nos traz o secretismo. Digo-o, como é
evidente, sem qualquer tipo de ódio, intuito persecutório ou salazarismo.
Simplesmente, por divergência ideológica.
Sou católico e
cumpro o primeiro mandamento. Tanto bastaria para não me poder filiar na
maçonaria. Ao que acresce, no plano racional, o texto da própria Bíblia: “A
sabedoria de Salomão foi maior que a de todos os filhos do Oriente e maior que
toda a sabedoria do Egipto” (Reis 5:10).
E sou
português e cumpro a Constituição da República Portuguesa de 1976. Não tinha
idade para votar na Assembleia Constituinte que a veio a aprovar, mas revejo-me
no equilíbrio que nela foi encontrado. E que se mantém, até hoje. Tendo eu
vivido em criança uma revolução, sou dos que pensam que é sempre melhor uma
constituição democrática, como a que temos, e na qual todos cabemos, do que
outra revolução.
Ora, nos
termos da nossa Constituição atual, mais do que memória e liberdade de
associação, cabe transparência na participação na vida publica. “Todos os
cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objetivamente sobre actos do Estado
e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras
autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos” (diz, por exemplo, o artigo
48º, nº2, da nossa Constituição).
Porque a
“República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania
popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no
respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e
na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia
económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”
(art. 2º da nossa Constituição).
No pleno
respeito pelo princípio da igualdade, segundo o qual: “Ninguém pode ser
privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento
de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de
origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação
económica, condição social ou orientação sexual” (art.13º, nº2, da nossa
Constituição).
A
obrigatoriedade de titulares de cargos públicos declararem em registo de
interesses a sua filiação na maçonaria serve, portanto, para sabermos quem é
quem: será o atual Presidente da Assembleia da República maçon? Será o
atual Presidente do Conselho Superior da Magistratura maçon? Se sim, como pode
haver a separação de poderes prevista na Constituição? E, sendo a maçonaria uma
obediência hierarquizada, afinal quem manda em quem?
Ninguém quer
hoje, penso eu, perseguir a maçonaria. Mas também nem todos queremos viver
segundo as suas leis. A mim, basta-me a Constituição da República Portuguesa.
Luis Miguel Novais
(Texto primeiro publicado no Jornal Público de 21 de outubro de 2022, aqui).