Riqueza, civilização e prosperidade nacional

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Governo da Justiça

Este Portugal adormecido foi esta semana alertado pela comunicação social para a má gestão do sistema nacional de justiça pelo Governo, visível num simples e comezinho facto: há tribunais sem papel para imprimir os actos judiciais. Actos fundamentais como citações ou mandados... Actos que invadem a esfera dos cidadãos. E que temos, todos e cada um, de poder ler para compreender e acatar ou reagir.

Segundo a já velha sabedoria de um modo de viver em sociedade que remonta, pelo menos, ao tempo da vinda de Jesus Cristo à Terra, um Estado serve para o bom governo da vida em sociedade e para a boa administração de justiça.

De onde podemos concluir que o nosso Estado atual anda aos papéis.

Luis Miguel Novais

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Duplo sentido

O meu algoritmo da Apple Music está bastante bem educado: conhece-me há mais de dez anos (de mesmo antes de existir a própria Apple Music em streaming, já que eu de há muitos anos fazia as minhas compras musicais na Apple Store). Funciona como antigamente funcionavam os empregados humanos das nossas lojas de discos favoritas: faz-me sugestões musicais novas, essenciais à alimentação do meu cérebro, que precisa de música para sobreviver. 

Deu-me o algoritmo agora a conhecer (apesar de tudo só agora, hum...) o episódio 20 do podcast/programa de rádio de Nile Rodgers intitulado Deep Hidden Meaning. Entretanto, já bingei quase todos os episódios. Wow! Sem eu o saber (até agora), Nile Rodgers tem estado comigo ao longo destes últimos 50 anos (wow!), em músicas essenciais.

Claro que quando aprendi a cantar e arranhar guitarras, na nossa juventude, os seus riffs dos Chic estiveram muito presentes. Mas como interrompi prematuramente a minha curta mas promissora carreira musical (não é ironia; ver, por exemplo, aqui uma foto minha, com 22 anos, no jornal Expresso), que ele felizmente prosseguiu, não sabia que ele tinha produzido, composto e tocado em tantas das músicas que acompanharam o crescimento do meu cérebro.

O duplo sentido à portuguesa (pressuposto de poesia, ou não se chamasse a minha banda de juventude Prece Oposto, ou não fosse o poeta português contemporâneo mais popular o grande mestre do duplo sentido Quim Barreiros), também está presente no deep hidden meaning do grande Nile Rodgers.

Vale a pena ouvir os programas todos. Essencial para quem gosta e para quem pensa que não gosta de música contemporânea. Let's dance!

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

O Erro de Marcelo

Neste dia de comemoração da implantação do regime republicano neste Portugal adormecido, parafraseio o título do livro de António Damásio O Erro de Descartes. A propósito, naturalmente, do nosso atual Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa.

Fui dos primeiros a apoiar, privada e publicamente (aqui e no Porto Canal), a sua primeira candidatura, ainda a mesma nem o era. Aquando da sua recandidatura afirmei a Ana Gomes que me parecia muito bem que se candidatasse (que tinha condições para tal), mas que eu votaria Marcelo. Como votei, das duas vezes. Talvez por isso, sinto-me à vontade para assinalar o erro de palmatória de pessoa tão experiente em funções públicas, a propósito do envio ao Ministério Público de participação criminal contra o Bispo José Ornelas, atual presidente dos bispos em Portugal, e anterior presidente mundial dos Dehonianos - em termos práticos, uma ofensa à Igreja Católica, não enquanto Instituição, ou Estado, mas enquanto assembleia de todos nós, Marcelo incluído, que nos afirmamos católicos e nos podemos sentir legitimamente ofendidos com esta sua atitude.

Marcelo não é Pilatos. O poder do Presidente da República não é chutar para canto. A vantagem de uma república (electiva e com limitação de mandatos) sobre uma monarquia (hereditária e tendencialmente ilimitada no tempo), é o poder moderador. O cidadão que fez uma queixa do bispo ao Presidente da República não esperava que este fosse uma caixa de reexpedição de correio. Eu próprio, que apenas estive em funções públicas nove meses da minha vida, e em funções de muito menor responsabilidade, tive de lidar com situações igualmente delicadas e resolvi-as a contento. Sem precisar de mandar para o Ministério Público (coisa que, de resto, o cidadão sempre poderia fazer), nem de ser Descartes.

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Baía dos Porcos

Ando a ler a História do Mundo de Andrew Marr (que só o é na tradução para língua portuguesa da Texto Editores, de 2014, de Manuel Santos Marques, que cito, já que na edição original em língua inglesa, de 2012, corre pelo menos exclusivista título de A History of the World, ou seja, Uma História do Mundo - de resto, a própria obra refere as anteriores em que se baseia).

Muito interessante. Dou como aperitivo este trecho: "O Antigo Egipto... parece com frequência uma civilização para ser olhada com espanto, não para ser adorada. Quase não toca o mundo moderno. Esfinges e pirâmides tornaram-se um kitsch visual globalizado. Os públicos dos museus fazem fila por todo o mundo para contemplarem as relíquias douradas ou pintadas. Turistas culturais descem às carradas de aviões para verem os templos e os complexos funerários do Vale dos Reis. Todavia, para uma cultura tão duradoura e bem-sucedida, os Egípcios deixaram relativamente poucas marcas sobre as maneiras posteriores de pensar. A religião de Hórus e Osíris gozou de um efémero renascer de interesse durante o século XX entre os amadores do oculto e vigaristas de tenda de circo".

O mesmo século XX de opereta, noutro circo de feras, que brilhantemente cobre um grande realizador e argumentista Português, Henrique Oliveira (que faz o favor de ser meu amigo, embora eu pense que isso não tolhe a objetividade do meu apreço pela sua obra), agora na sua série audiovisual que atualmente passa em episódios na RTP, a Cuba Libre. Brilhante retrato, transponível para este nosso Portugal adormecido contemporâneo, de "amadores do oculto e vigaristas de tenda de circo" no tempo do episódio quase nuclear apocalíptico da Baía dos Porcos - que, recorde-se, acabou com ambas as partes a limparem a lama das respetivas faces, tendo então prevalecido o bom-senso.

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Farta de Job

A "paciência de Job" dispensa apresentações. O que merece uma leitura atenta é o Livro de Job, um dos mais belos e impressionantes da Bíblia

Lê-se como um romance. E é, na realidade, do mais fino recorte literário, digno de ombrear com os clássicos (não sagrados) de Homero. Terá sido escrito a várias mãos (como, de resto, também provavelmente o foram a Ilíada e a Odisseia). Possivelmente, há 3000 anos. Representa, certamente, situação experimentada por muita gente, ao longo de muito tempo, até hoje.

Ao contrário do próprio Job, nós leitores do Livro de Job, temos um vislumbre do que se passa entretanto no Céu, do diálogo entre Deus e o seu anjo caído Satanás: "De onde vens? - pergunta Deus. "Fui dar uma volta pela Terra" - responde Satanás. "Reparaste no meu servo Job? Na Terra não existe nenhum outro como ele: é um homem íntegro e recto, que teme a Deus e evita o mal. Ele continua firme na sua integridade. E tu, a troco de nada, lançaste-Me contra ele para o aniquilar". Satanás respondeu assim a Deus: "Pele por pele! O homem dá tudo o que tem para manter a vida. Estende, porém, a mão e atinge-o na carne e nos ossos. Garanto-Te que ele te renegará!". Então Deus disse assim a Satanás: "Faz dele o que quiseres, mas poupa-lhe a vida".

Satanás maltratou Job a tal ponto que a mulher deste (cujo nome desconhecemos), desesperada, lhe diz: "E tu ainda continuas na tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre de uma vez". Farta de Job. Porém, não o abandonou. Quiçá convencida pela resposta de Job: "Tu estás a falar como louca! Se aceitamos de Deus os bens, não devemos também aceitar os males?". "E apesar de tudo isso, Job não ofendeu a Deus com palavras" (Job 2-10). Num interessante paralelo com o (posterior) ideal de Sócrates, segundo Platão: "mais vale sofrer o mal, do que praticá-lo".

Farta de Job, não o abandonou. Nem (também ela) renegou Deus, ao contrário do que pretendia Satanás. Não quero ser spoiler, recomendo vivamente a leitura do Livro de Job (que tem outros personagens interessantes, como os amigos de Job; uma importante discussão sobre a religião retributiva; ou o maravilhoso discurso direto do desafio que nos é lançado pelo próprio Deus, Senhor da natureza e da vida). Viveram para conhecer filhos, netos e bisnetos. Job viveu ainda "mais 140 anos", "morreu velho, em idade avançada".

Firmes na sua integridade de carácter, a consciência da justiça perante o sofrimento injusto, Job e sua mulher, mais do que exemplo de paciência, são modelo de boa fé. Essência da vida.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Dia Internacional da Paz

É hoje. Está na minha agenda anual como data recorrente. Dias 21 de setembro celebramos (os que celebramos) o Dia Internacional da Paz. 

É assim desde 1981. Sob a égide das Nações Unidas. Por deliberação unânime de 2001 (Aqui).

Que trágica ironia que a irmã Rússia não nos acompanhe, logo hoje.

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

First Portuguese

Acordei com a suspeita de que o Papa Bento XVI faleceu. É só um sentimento, saberá Deus porquê. Hoje foi um dia cheio, véspera de um dia vazio, como diz o meu amigo Paco, que jura tratar-se de um nosso ditado antigo galaico. Entretanto, de sol a sol, aprendi que o oposto de arrogante não é humilde, é honrado. E que, numa sociedade aberta, o que importa não são os princípios, são os contratos. A tanto me levou o dia.

O que é tanto mais interessante quanto, ontem à noite, terminei a leitura de A History of Water. Que, segundo leio no site do autor, será publicado em língua portuguesa pela Bertrand (por mim, seria com o título Uma História do Mar ou, ainda melhor: Heróis do Mar; já veremos o que sai). Recomendo. Quem quiser ler uma boa recensão deverá ler a The Economist de 20 de agosto de 2022, aí a encontra sob o título The Age of Discovery, Expanding Horizons. Quem quiser ler o livro, faça-o como eu, ou espere pela versão em língua portuguesa. O autor é um polímato que consegue obter esse extraordinário feito de nos fazer interessar até ao final (com factos interessantes e maioritariamente desconhecidos, fora dos meios académicos ou especializados) pela vida e obra de dois autores portugueses que representam pólos  opostos: Damião de Gois e Luis de Camões. E cujo cruzamento é tão menos evidente (e, como tal, forçado ou surpreendente)  que, por exemplo eu, escrevendo sobre aquele mesmo tempo em A Janela do Cardeal, não falo de nenhum (o que, conforme a lição de hoje supra, nem me humilha, nem me arroga, só me honra, e assim também a este autor, Edward Wilson-Lee). É ler para crer.

Como qualquer dos precedentemente mencionados portugueses sei o que é ser First Portuguese. O primeiro, de muitos a chegar a um lugar. E assim honrar. Pelos séculos adentro. De mar e ar em fora. Heróis do hino.

Luis Miguel Novais

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

127 Juízes

É notícia de capa do jornal Expresso desta semana, mas saiu em letras pequenas - e não me apercebi de ter tido qualquer repercussão pública, muito menos a correspondente à sua gravidade: "127 juízes não entregaram declaração", diz o título. São quase 10% (9,16% dos 1385 juízes deste Portugal adormecido, para ser preciso).

E lê-se na pequena notícia: "No fim do prazo legal para entregar a declaração de rendimentos, 1258 juízes dos tribunais criminais e superiores cumpriram a obrigação, mas 127 estão em falta. Problemas informáticos terão provocado falhas e agora foi dado novo prazo de 30 dias".

É a espuma dos dias: "problemas informáticos".

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

A morte de uma avó

A morte da rainha Isabel II do Reino Unido da Grã-Bretanha sabe a falecimento de uma nossa própria avó.   R.i.p.

Reinou por muitos mais anos do que aqueles que levo de vida, pelo que me habituei (como quase todos) a observá-la com o carinho, respeito e admiração com que observei as minhas próprias avós, infelizmente também já falecidas.

A sua responsabilidade pública levou-a atravessar, em tom e pulso proporcionados, os melhores e os piores anos destes últimos 70. Setenta anos de reinado constitucional, sem sobra de ditadura ou desrespeito, caramba!

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

A History of Water

Mão amiga fez-me chegar, neste dia especial, o recém-lançado livro A History of Water, de Edward Wilson-Lee. O autor tem a dupla felicidade de escrever em língua inglesa, e de ser publicado pela HarperCollins, pelo que certamente será traduzido em breve para língua portuguesa (afirmo-o sem ressentimento, eu escolhi ser um escritor da língua portuguesa, poderia muito bem ter seguido o caminho de outros que escolheram publicar em línguas de maior difusão, mas não seria quem sou).

O picante do livro é, muito para além do inócuo e porventura enganador título, acolher as histórias de dois grandes da língua portuguesa: Damião de Góis e Luis de Camões. Não vou traduzir a punchline da capa (nem ainda li o livro, que acabo de receber, pelo que não vou ser spoiler, trata-se de um mero unboxing, tão em voga): "being an account of a murder, an epic ... and two visions of Global History".

Damião de Góis foi brilhantemente narrado em A Sala das Perguntas, do mesmo autor de A Casa do Pó, Fernando Campos - tanto que, apesar de contemporâneo de D. Miguel da Silva, não senti necessidade de o incluir na minha narrativa de A Janela do Cardeal. Luis de Camões, posterior, é quem é. Eu diria que cabem os três na categoria dos desportuguesados, sobre a qual escrevi ontem (Aqui), a propósito de Fernão de Magalhães. Parece uma saborosa salada russa com mayonnaise. Vou ler o livro, em língua inglesa, e depois falamos, em língua portuguesa.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Laranjas sobre Barcelona

O meu amigo Juan Mera, editor de A Janela do Cardeal, narrava-me hoje com horror as laranjas de granizo que caem sobre a sua Barcelona por estes dias. Que, infelizmente, já causaram pelo menos uma vida, além de inúmeros danos materiais. O Telediario da TVE quantifica os impressionantes números deste fenómeno meteorológico extremo (mais um), aparentemente causado pelo aquecimento da água do mar: nuvens de 20 quilómetros de altura, soltam bolas de granizo do tamanho de laranjas (10 centímetros), a mais de 100 quilómetros por hora.

Esta semana tive um encontro com Deus, Senhor da Natureza e dos Animais, segundo O próprio afirma, em discurso direto, no indevidamente pouco valorizado Livro de Job da Bíblia. É uma laranja literária do mais fino recorte, uma leitura vivamente recomendada. Pelo menos desde o século XVIII, desde o debate literário da Teodiceia de Leibniz ao Cândido de Voltaire, deixou-se, praticamente, de lhe prestar atenção, a este magnífico livro, em que Deus responde ao incrível Job. E, com ele, a nós todos. Desafiando-nos...

Neste dia, há 25 anos, voei a duas vezes a velocidade do som, no Concorde. Recordo-o agora porque acordei em Londres perante a consternação pela morte de Lady Di nesse dia, em que cheguei a Nova York antes de ter partido - não é gralha, embora possa parecer impossível, mesmo agora, que caem laranjas sobre Barcelona: o Concorde saía às 10h30 de Londres e chegava às 9h30 a Nova York. Desafios de Deus e Paciência de Job.

Luis Miguel Novais

sábado, 27 de agosto de 2022

Desligar o GPS

Muitos dos humanos que me lêem (os computadores não) conheceram um mundo sem GPS (iniciais de Global Positioning System). Ainda tenho dois carros de luxo de 2001, hoje clássicos: um tem GPS, o outro não. O documentário que acabo de ver na Netflix, explica a diferença e o timing, que desconhecia.

O documentário intitula-se GPS 101 (101 significa panorâmica, ou rudimentos), e vem traduzido pela Netflix como A História em Imagens; é o primeiro episódio da segunda temporada, acaba de sair. Recomendo. Dele resulta como o presidente americano Reagan transformou as nossas vidas desde 1983, abrindo ao mundo civil a tecnologia militar de satélites GPS, na prática iniciada pelos Sputnik russos. GPS hoje presente em tudo, especialmente a partir de 2000, desde os telefones espiões que transportamos no bolso, às encomendas e demais transponders de carros, navios ou aviões. A China, segundo a série, tem o concorrente sistema BeiDou, ainda mais potente e omnipresente, com 35 satélites dedicados desde o ano 2020. Os aspetos deprimentes e potencialmente nocivos da tecnologia, que acrescem aos positivos, são justamente sublinhados no final do documentário.

Aqueles que já vivemos sem GPS sabemos que este sistema é independente da Internet. E aprendemos a desligar, ou ligar o GPS apenas quando é realmente preciso (inclusive não autorizando a indistinta geolocalização nos nossos smartphones... lá está, por GPS). Para não nos comportarmos como marionetas. Para valorizarmos aquela importante norma da Constituição deste Portugal adormecido que afirma, sobre a utilização da informática, que "é proibida a atribuição de um número nacional único aos cidadãos". Curioso, agora, pensar no título 1984.

Luis Miguel Novais

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Véspera

Propositadamente, escrevo a poucas horas de 24 de agosto. Véspera da comemoração da Revolução do Porto de 1820. Aquela que teve como propósito repor-nos no bom caminho de que se tinham desviado os poderes públicos neste Portugal adormecido. Aquela que teve como bom produto dotar-nos de uma Constituição, que veio a ser aprovada em 23 de setembro de 1822 (ver aqui o que sobre esta nos diz a página atual do parlamento, caveat emptor); e depois outras, até à nossa atual Constituição de 1976, que ainda hoje merece o meu total respeito.

Escrevo de véspera, com o sentimento literário de antecipação (sem angústia). Será como viajar num túnel, vendo ao fundo a luz. Retrospectivamente, isto é. Porque de véspera não teriam sabido, aqueles que a vieram a fazer, que a revolução iria dar o bom fruto de uma Constituição. Nem, muito menos (penso eu, agora) aos daninhos frutos de uma guerra civil entre "corcundas" e "manetas". Todos nossos antepassados, pessoas como nós, em guerra civil.

Sem uma Constituição respeitada por todos, estamos perdidos. Em guerra. Todos. Véspera.

Luis Miguel Novais

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Vítima de injustiça

Justiça escreve-se neste Portugal adormecido com maiúscula (à deus grego). É uma virtude clássica. 

Mas, na realidade, é um processo. Na larguíssima maioria dos casos, o processo de apuramento e declaração de Justiça (felizmente) não necessita de um tribunal. Seja pelo motivo que for (divino ou humano), normalmente os seres humanos compõem-se. Numa (mesmo assim) expressiva minoria de casos, necessitamos de um tribunal para ser feita justiça (pode ser também escrito em letra minúscula, à contemporânea Portuguesa). E, naturalmente, esperamos que esse tribunal faça Justiça. O que tem lugar no quadro de um processo. Um processo de partes. Em que cada uma será parcial, puxando a brasa à sua sardinha, como diz o povo. Esperando-se e desejando-se que após a lide ser dirimida entre advogados e procuradores, naturalmente parciais pelas partes (passe o pleonasmo), surja um juiz independente e imparcial. Um terceiro não conluiado com alguma das partes. Terceiro que, apurados factos, cozinhadas em lume brando as emoções, e ponderadas as humanas razões, declare a Justiça do caso concreto. Um processo, portanto.

Escrevo-o porque li no jornal Público de ontem o seguinte título: "Um quarto dos juízes acredita que há corrupção na Justiça". Num artigo de Ana Dias Cordeiro, a propósito de um "inquérito feito a juízes sobre a avaliação que fazem da sua independência, individual ou de todo o sistema, realizado pela rede Europeia de Conselhos de Justiça". Com os seguintes destaques da direcção editorial: "Quase 500 juízes nacionais responderam a inquérito europeu: 26% acreditam que há magistrados que receberam subornos"; "Serem os juízes a ter esta percepção é 'muito relevante', diz a coordenadora do Observatório da Justiça".

Escolhi ser advogado porque acredito que a Justiça é um processo. E a injustiça uma crueldade.

Luis Miguel Novais

sábado, 13 de agosto de 2022

Matar Rushdie

A minha falecida sogra (de quem gostei particularmente) ofereceu-me um livro de Salman Rushdie (de que não gostei particularmente). 

Recordo que na altura, pelos anos iniciais de 1990, hesitava eu ainda sobre a definitividade da minha opção por uma vida privada (como advogado), em lugar de uma vida pública (como autor). Foi pouco antes dessa coisa bizarra consistente na perseguição de um autor por uma sua obra, em que tem vivido, praticamente desde então, Rushdie. Até hoje, momento em que se encontra em cuidados intensivos num Hospital, após ter sido, ontem, esfaqueado em público por um homem chamado Matar.

Matar, Rushdie é só um escritor. A sua obra sobreviver-lhe-à, não se pode matar.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Promiscuidade

A contratação do jornalista Sérgio Figueiredo, ex-director do canal de televisão TVI, pelo Ministério das Finanças deste Portugal adormecido, que segue em poucos dias a do ex-jornalista João Cepeda (meu primo com irmão) pelo Primeiro-ministro, independentemente da risível situação de lhes serem conferidos salários equiparados aos próprios que os contratam (e não pagam, pagamos todos), certamente merecidos pelo importante trabalho que vão comunicar (pois, não fazer, "apenas" comunicar), vem demonstrar o estado propagandístico em que já caiu este Governo.

Tanto mais de assinalar quanto convém recordar que temos atualmente radicais de esquerda maçónica instalados nos mais altos cargos, a dirigir as mais altas instâncias do Estado, maxime o Parlamento. Para eriçar e alçar escudos em defesa da democracia plural.

Na Rússia, como é bom de ver, a jornalista que levantou o cartaz está a sofrer.

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Opus Francisco

Entra hoje em vigor uma reforma na Igreja Católica com relevante importância neste Portugal adormecido: a reforma da Opus Dei decretada pelo Papa Francisco a 14 de julho de 2022, sob o mote "Ad Charisma Tuendum" - para proteger o carisma (ver aqui).

A Opus Dei ganhou relevante dimensão ibérica, com notável expansão polaca, em especial desde o tempo do Papa S. João Paulo II. Nela tenho muitos amigos, que professam como laicos e integram esta obediência muito similar à Maçonaria, onde tenho outros tantos amigos. A questão é mesmo essa, para a Igreja (e para os independentes, como eu): são demasiados amigos laicos ou profanos, parecem bandos de pardais, como canta o fado. Por vezes parecem-se mesmo com centrais de negócios. Quando as integram membros do Estado em exercício de funções podemos falar de corrupção, abuso de poder ou, pelo menos, violação do dever de isenção.

Não deixa de ser curioso que a reforma da Opus Dei venha de um Jesuíta. Para bom entendedor, ganhamos todos.

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Exclusividade

Uma deputada ao Parlamento deste Portugal adormecido, tendo optado pelo regime de exclusividade, recebeu dinheiro extra pelo comentário político numa televisão.

Não tem mal nenhum, diz a Comissão de Ética do Parlamento.

É a exclusividade à portuguesa.

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Encarregados de Educação

O canal de televisão SIC amplificou ontem uma das surdas polémicas (há muitas, pelos tribunais) que rompem a inércia deste Portugal adormecido: entrevistou pais e filhos de Famalicão que contestam a obrigatoriedade de assistir a aulas de "Educação Cívica" impostas pelo Governo. Parece-me que lhes assiste razão.

Ainda recordo que a seguir ao 25 de abril de 1974 as aulas de "Moral e Religião" se tornaram facultativas. E bem. Como facultativas devem ser as aulas de "Educação Cívica". Não compete ao Estado, mas sim às famílias, em primeira linha, a educação das nossas crianças e jovens. Sob pena de indesejável homogeneização. Que resulta das praxes escolares e até universitárias - praxes que apenas servem as maçonarias e outras obediências infiltradas, nem sequer o próprio Estado.

Apoio a luta do casal de Famalicão pela existência de verdadeiros Encarregados de Educação.

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Dois Portugais

Conheço pessoalmente o atual Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro. Nunca fomos à mesma missa, nem comungamos do socialismo, mas cruzámo-nos vezes suficientes para dele poder fazer o seguinte juízo: o seu percurso de vida, como prolítico do interior Norte, obriga-o a ponderar bem o que há que fazer a seguir aos fogos e vaga de calor que atravessamos. Ou demitir-se.

Não é preciso ser muito inteligente para compreender que neste Portugal adormecido, no continente, há uma faixa litoral urbana, que vai de Setúbal a Valença, densamente habitada, que fica ao nível do mar - gosto de pensar nela como o nosso Nilo (quando observo a app meteorológica que utilizo, a iluminação nocturna é idêntica, um longo contínuo). E, depois, um largo espaço interior não urbanizado, pouco habitado (a iluminação nocturna vista dos satélites das app é praticamente inexistente), cuja altitude em relação ao mar é progressivamente superior à medida em que dele nos afastamos, e maioritariamente ocupada por espaço florestal.

Desejo que seja este o primeiro Ministro da Administração Interna que compreenda que não se trata por igual o que não é igual. Sob pena de não ser este o último ano de fogos florestais avassaladores.

Luis Miguel Novais

sábado, 9 de julho de 2022

Escola Pública

Ao ouvir ontem o Ministro da Educação desvalorizar os rankings das escolas publicados na imprensa deste Portugal adormecido, organizados a partir dos resultados dos exames publicados pelo seu próprio ministério, que mostram um constante ultrapassar do ensino público pelo ensino privado em termos de notas dos alunos, não pude deixar de constatar que o socialismo vigente não se importa com os brios da Escola Pública. Faz mal.

O assunto encontra raízes fundas na laicização e generalização da educação preconizada, entre outros, por Verney. E implementada, primeiro que todos os demais, por Pombal. A quem devemos a criação da Escola Pública e o seu financiamento através de um imposto chamado Subsídio Literário.

Ainda no regime anterior ao nosso atual, o assunto era tão sério que as professoras do Ensino Primário, como a minha avó Bela, eram magistradas. A quem interessará a desvalorização da Escola Pública?

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Pulítico

Ao acordar hoje com as imagens do atual Ministro das Infraestruturas deste Portugal adormecido, Pedro Nuno Santos, acabrunhado, curvado em namasté, a sair da sala de imprensa após o seu acto de contrição e a entrar, de volta, na porta do seu gabinete ministerial, onde regressa tranquilamente apesar de ter voltado com a sua palavra atrás, ocorreu-me que tenho andado enganado ao tratar políticos destes como prolíticos (leia-se, políticos profissionais que iniciam carreira nos bares das associações de estudantes no liceu, trepam por aí acima até ao bar do Parlamento e, alguns, até ao bar do Conselho de Ministros, com algum "despacho" de premeio - algum, pouco, útil, reconheça-se).

Afinal, não se trata de prolítica. É mais pulítica.

Homenagem a Vasco Pulido Valente.

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Juiz adversarial

Na sua coluna de opinião do jornal Público de hoje, o meu colega de profissão advogado Francisco Teixeira da Mota utiliza, a propósito de uma decisão judicial que comenta (vd."Para Estrasburgo, a toda a velocidade", e não fala de comboios), a feliz expressão que aproveito para o título. Mais precisamente, diz: "os autores do acórdão estavam noutra e escreveram mesmo, numa linguagem adversarial".

Completados já 35 anos de advocacia, venho a notar (cada vez mais) uma postura, ou linguagem, adversarial nos nossos juízes - deste Portugal adormecido, mas também da União Europeia. Muito pouco imparcial. E, por conseguinte, contra-natura. Para citar apenas a nossa Constituição (podia citar diversa lei internacional que afirma que um juiz, por natureza, tem de ser independente e imparcial), diz o art. 203º: "Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei".

A minha mulher (que costuma ter razão) diz que eu ando com a mania da perseguição. Mas que noto cada vez mais o tal "juiz adversarial", noto. Porque será?

Luis Miguel Novais

domingo, 19 de junho de 2022

Ó Patego olhó Patrulhão

Em 2012, bati a porta com estrondo para impedir o encerramento dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Motivo por mim declarado ao País, em directos televisivos e no Parlamento: a nossa capacidade para construir navios de que iria necessitar a nossa Marinha, os NPO da Classe Viana do Castelo, vulgo patrulhões. Havia, na altura, dois. Depois disso, felizmente, já se fizeram mais dois. Andam quatro a patrulhar o nosso pedaço largo de mar. Made in Portugal.

Em junho de 2021, lá veio o Governo dizer que sim senhor, precisávamos de ainda mais patrulhões (o projecto inicial, de 2000, era de dez), e que gastaríamos com a sua construção mais 352 milhões. Até hoje. Segundo leio no jornal Expresso desta semana: "Tribunal de Contas chumba patrulhões". Afinal, andam navios pelo ar. Como se diz cá no Porto, enquanto se dá na cabeça alheia com o alho porro no São João: Ó patego olhó balão.

Se eu mandasse, lá tinha que dar mais um murro na mesa.

Luis Miguel Novais

sábado, 18 de junho de 2022

Portugal Adormecido

A pedido de várias famílias (incluídos o leitor, que não conheço, cuja carta publicou com este nosso título o director, que conheço, do jornal Público), afinal, continuamos para Bingo! Estamos de volta neste Portugal Adormecido, desde 2008.

Mas não acaba o Portugal Honrado, onde ensaio sobre coisas nossas mais fora do tempo presente, pelo que agradeço e recomendo a visita frequente. Aqui no Portugal Adormecido é mais actualidade... como esta, de 2015 (ou não): Aeroporto no Montijo: o erro +1.

Por terras unidas de Gallaecia e Lusitania. Por-tu-ga-l, sempre!

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Portugal Honrado

Não aprecio revoluções. Prefiro continuações. Mesmo que turbulentas. Transformações. Inclusões, em lugar de exclusões.

Este Portugal adormecido teve uma revolução há praticamente 50 anos. Outra, há praticamente 100 anos. Outra, há praticamente 150 anos. Outra, há praticamente 200 anos. E por aí fora, até (para não ir mais longe) à documentada batalha dos campos de Guimarães entre as forças de guerra civil que opuseram mãe e filho fundadores, há quase 1000 anos atrás. É muita História. Não podemos tolerar a ignorância. Caminhamos, hoje, estupidamente, para nova guerra civil. Não pode ser.

Por mim, viro a página. Prossigo antes por aqui: Portugal Honrado.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 1 de junho de 2022

República Portuguesa

"Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária".

É este o primeiro dos princípios fundamentais da nossa atual Constituição.

Nunca é demais recordá-lo. Ao mais alto nível.

Luis Miguel Novais

domingo, 29 de maio de 2022

Tempestade

Com a eleição, ontem, de Luis Montenegro para presidente do Psd (que estatutariamente ainda se chama PPD-PSD, questão não de somenos se considerarmos que perdeu mais de metade dos militantes, entre os quais eu próprio), este Portugal adormecido pode agora observar aproximar-se no horizonte a tempestade perfeita, urdida pela (também impropriamente denominada) Maçonaria que se uniu para criar um novo "Estado dentro do Estado" (como Mário Soares chamava à Pide).

A utilização imprópria já é velha de séculos. Por exemplo, encontra-se acessível na internet um livro elucidativo, publicado em 1860, por um erudito provavelmente pseudónimo, John Fellows, que se insurge contra a utilização da então "moderna ciência" da Maçonaria na Política - negando-se, deste modo, a si própria como um possível caminho para a liberdade iluminada. Vd. "The Mysteries of Freemasonry" etc. (pode-se ler ou descarregar Aqui).

A questão é simples: se algumas quantas pessoas se associam e reúnem umas quantas noites com pretexto de rituais secretos, na realidade combinando como ganhar o poder e repartir o bodo, isto não é Maçonaria, nem muito menos Democracia, é batota. E não falo apenas da eleição de Luis Montenegro.

Luis Miguel Novais

terça-feira, 24 de maio de 2022

Senadificar

Três senadores de centro-direita, de fora de Lisboa, insistiram esta semana na praça publicada sobre a questão da regionalização/descentralização deste Portugal adormecido: Fernando Ruas (no jornal Expresso, "Avenida 5 de Outubro, 195, Lisboa"), Luis Valente de Oliveira e Miguel Cadilhe (no jornal Público, "Regiões, porquê e como"). Será, quiçá, por sermos Portugueses que escolhemos viver fora de Lisboa, coincidimos em que a capital centraliza demasiado. 

Está por cumprir o artigo 6 da Constituição da República Portuguesa que diz o seguinte, sob a epígrafe lapidar (na qual coincidimos todos também) "Estado Unitário":

 “1. O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.

2. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprio.”

Eu defendo que não devemos replicar no continente o modelo de região autónoma insular. Que a "descentralização democrática da administração pública" (a tal que está por fazer) não deve passar por parlamentos regionais, que farão aquilo que fazem os parlamentos regionais: leis regionais. 

E que não deve passar, também, por governos regionais: uma desnecessidade do ponto de vista do "Estado Unitário", em vista da "autonomia das autarquias locais" - encontrando-se as dimensões económicas regionais, no quadro da União Europeia, hoje salvaguardadas pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, serviços desconcentrados do Governo central.

Mas assim fica a faltar o "democrática" naquela parte do artigo 6 da Constituição que dispõe sobre "descentralização democrática da administração pública". 

O que, a meu ver, se pode resolver destas duas maneiras:

- através da eleição regional de um presidente regional (uma espécie de conde ou governador civil, com legitimidade democrática e responsabilidades perante a sua circunscrição eleitoral);

- através da eleição regional unipessoal de senadores regionais a um Senado nacional (o sistema bi-cameral é o vigente hoje, por exemplo, nos Estados Unidos da América; e é tão natural em Portugal que no edifício do Parlamento, em Lisboa, Palácio de São Bento, ainda hoje existe uma Sala do Senado, ao lado da dos Deputados).

Se não nos movermos numa destas duas direcções políticas, preferindo eu a do Senado, prevalecerá (mutatis mutandis) a conhecida máxima do Gattopardo: mexerão em tudo, para que Lisboa permaneça centralista. 

Na prática, regionalizar ou descentralizar significa senadificar.

Luis Miguel Novais

sábado, 14 de maio de 2022

Viva Portugal, Viva Portugal

Muito antes de o futebol ser o motivo de orgulho nacional (e de espanto pelos montantes que pagamos aos artistas, livres de impostos), já uma canção popular do Portugal profundo e vetusto soava "ao sair de Dem perdi um dedal, com letras que dizem Viva Portugal". 

É caso para dizer que a sexta-feira 13 de ontem, além de outrora ter sido dia de feriado em Lisboa (por motivo do aniversário do Marquês de Pombal), e ser, ainda hoje, dia de fervor religioso neste Portugal adormecido (por justo motivo de comemoração do aparecimento da Virgem aos pastorinhos em Fátima), foi novamente de terror para os Templários, hoje encarnados na Maçonaria e presentes no Supremo Tribunal de Justiça.

A notável sentença (em juridiquês acórdão) de ontem do Tribunal Constitucional (no processo nº828/2019) vem dar um golpe profundo nos juízes, procuradores e polícias que se consideravam acima da Constituição da República Portuguesa:

"as normas que determinam uma obrigação indiferenciada de conservação de metadados não podiam já ser aplicadas por qualquer autoridade nacional desde 2014, momento em que se concluiu pela sua incompatibilidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia de 8 de abril de 2014, Digital Rights Ireland, proc. C-293/12 e C-594/12; e de 21 de dezembro de 2016, Tele2 Sverige e Watson, proc. C-203/15 e C-698/15) e surgiu a obrigação, para todas as autoridades nacionais (incluindo judiciárias) de recusar a sua aplicação, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição".

Ficando reafirmado o princípio constitucional do primado do Direito da União Europeia. Motivo, de resto, que me move (por dever de ofício de advogado, juntamente com os colegas que me acompanham) a ter pendentes contra Portugal, ao dia de hoje, bem 7 processos judiciais com este propósito no Tribunal de Justiça da União Europeia (ver aqui).

A canção popular fica ainda mais bonita cantada pela Amália na "Rosinha da Serra d'Arga": "Viva Portugal, Viva Portugal, ao sair de Dem perdi um dedal"...

Luis Miguel Novais

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Europa Minha

Neste Dia da Europa - querendo significar o dia dessa pessoa colectiva de direito internacional público (com personalidade jurídica distinta dos seus membros) denominada União Europeia - que, felizmente, integra este Portugal adormecido -, ocorre-me que o respetivo volante está equivocado, dirigindo-nos na direcção errada.

Com efeito, o presidente da França, Emanuel Macron (e com ele tantos outros), tomou-se ares de novo impulso à União Europeia. E não encontrou melhor do que reforçar o eixo franco-alemão - disse ao que vinha, ouvi com atenção o debate televisionado que manteve com a sua opositora eleitoral, que fez questão de lhe frisar que a Europa não era uma nação, enquanto ele sublinhava o poder do "couple" franco-alemão.

Sucede, porém, que essa não é a União Europeia a que Portugal pertence (deve pertencer, digo eu). Em abono da minha tese (neste ponto contrária à de Macron) tenho a História. Passo a citar de "Charlemagne et l'empire carolingien", de Louis Halphen (da edição portuguesa da Editorial Início, "Carlos Magno e o Império Carolíngio", 1970, Cap. I, "O estabelecimento da monarquia carolíngia", pg. 15):

"Desde os primeiros séculos da Idade Média, os francos de Clovis e os seus sucessores tinham conseguido estabelecer o seu domínio em vastas extensões de territórios cujo contorno geográfico e composição étnica constituíam já, em grande parte, uma prefiguração do Império Carolíngio.

Aquando do seu maior alargamento, sob o reinado do Dagoberto (629-639), o seu reino englobava já quase toda a Gália, uma parte dos países renanos, a Alemânia e a Turíngia; começava mesmo a fazer sentir a sua acção na Frísia, no Saxe e na Baviera e a inspirar um certo respeito a alguns vizinhos em território eslavo. Todavia, a realeza merovíngia não passava de uma realeza "bárbara", tal como as suas semelhantes. Fundada sobre a conquista, não se propunha outro fim que o de alargar continuamente a massa territorial que constituía o seu haver e cujas partes componentes nada mais tinham de comum do que pertencerem aos mesmos donos: os Francos. Por isso se chamava a todas indistintamente "reino dos Francos" (regnum Francorum)".

A União Europeia que hoje celebramos não se fundou sobre a conquista. Nem sobre o eixo franco-alemão. Aqui, e justamente aqui, reside a sua força e valor. De resto, como resulta também do livro citado, até Carlos Magno já se correspondia com o reino cristão da Galiza, ilustre descendente da Callecia greco-romana do Porto de Portugal, que também, já então, não era vassalo do regnum Francorum.

Luis Miguel Novais


segunda-feira, 2 de maio de 2022

Sala Comum

Sou sócio do Grémio Literário, um clube à antiga, que funciona desde o século XIX no centro da capital deste Portugal adormecido, no Chiado de Lisboa, no belo Palacete Loures. Dele dizia um falecido brilhante consócio, Eça de Queiroz (1845-1900), que era a sua "quintinha no Chiado". Eu considero-o a minha sala de visitas em Lisboa. E já tenho saudade de lá receber amigos de todas as partes do mundo.

Revejo-me na mensagem do atual presidente do Grémio Literário, António Pinto Marques, publicada no boletim mensal de Abril de 2022: "O mundo assiste, atónito, às alterações na relação de forças entre estados democráticos e autocráticos. Os valores da democracia, da prosperidade e da liberdade estão ameaçados pela dureza de uma guerra. A pandemia fez vítimas e fez-nos repensar o modo como encarávamos a vida, alterando hábitos há muito enraizados no nosso quotidiano".

Acrescento que esta ruptura com o passado vem realçada na notícia de primeira página da edição de ontem do jornal FT Weekend, sob o título "HSBC break-up call". O HSBC é um Banco que, tal como o Grémio Literário, encontra as suas raízes no século XIX. O HSBC gira comercialmente sob as iniciais de Hong-Kong Shangai Commercial Corporation, com sede em Londres, e sob o lema "Think global, act local". O seu maior accionista actual, a seguradora chinesa Ping An, segundo o FT, disse à administração que era tempo de separar as operações orientais das ocidentais. Pondo fim a uma situação que dura há mais de um século.

O recente falhanço de liderança global do atual secretário-geral das Nações Unidas, o sempre prezado António Guterres, que tomou partido pelo ocidente (em maioria em termos nacionais, mas em minoria em termos populacionais nesta nossa nave especial), em lugar de assumir neutralidade e, por conseguinte, poder agora moderar entre a democracia tradicional e esta nova "democracia" oriental, no rescaldo da pandemia e da guerra, levará também forçosamente a um arranjo novo da nossa casa comum (onde, de resto, uns dormem enquanto os outros estão acordados).

Não resisto a voltar à história do Grémio Literário: foi criado para que houvesse diálogo entre as várias facções que participaram na guerra civil em Portugal. E assim se vem mantendo há mais de um século, inclusive comigo (um não alinhado por outra coisa que não seja o Direito) como sócio. Um bom exemplo para esta nova bipolarização que está no meio de nós.

Luis Miguel Novais

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Desmascarados

Nasci no lado errado da revolução de que, hoje, comemoramos 48 anos neste Portugal ainda adormecido.

Quando este Portugal Adormecido nasceu, há cerca de 14 anos, o Partido Socialista (atualmente no Governo de Portugal) e com ele forçosamente todos nós, tinha sido burlado por um Primeiro-ministro, José Socrates - segundo esta semana passada confessou em livro o atual Primeiro-ministro, António Costa.

Do "Estado Novo" de antes da revolução que hoje comemoramos, e que empenhou vidas e famílias de Portugueses por uma miríade de globalização unipessoal, assente a poeira do Tempo, também ficou só fumaça: Macau e Goa são hoje pouco mais do que casinos, geridos respetivamente pela China e pela Índia; os Estados africanos que integravam Portugal estão maioritariamente sob influência da Rússia (como se tem verificado pelas votações nas Nações Unidas após a recente invasão da Ucrânia). Sobra a independência de Timor-Leste; o que é significativo.

Apesar de ter nascido no lado errado da revolução de 25 de abril de 1974 (e ainda manter nas paredes do meu escritório os mapas  da minha quarta classe, em que Portugal era global), cresci e participei na construção de um país que aderiu aos valores ocidentais. Foi uma "sorte" que devemos aos heróis (ainda pouco conhecidos e reconhecidos) do 25 de novembro de 1976 - tinha eu 13 anos de idade.

Valores ocidentais, sim, porque a China e a Rússia vieram agora afirmar que não há valores universais - fazendo tábua rasa do consolidado, em termos de direito internacional, nas Nações Unidas, de há 75 anos para cá. A Rússia afirmou-o pela força das armas (esse lugar estranho à razão), invadindo outro Estado-membro das Nações Unidas. A China afirmou-o pela força da própria razão: tenta redefinir na própria Carta das Nações Unidas o conceito de democracia, seguindo o seu próprio modelo. Um modelo nada ocidental, que privilegia o colectivo sobre o indivíduo, que não assenta na Constituição, que não assenta na separação de poderes, que não assenta na limitação de mandatos, que não assenta na independência dos tribunais.

Neste dia em que deixámos cair as máscaras obrigatórias da pandemia, a democracia em Portugal ainda incorpora muitos mascarados que, pela sombra e calada, minam os valores ocidentais que devemos celebrar e continuar a defender como universais, em prol da liberdade individual nesta nossa nave especial.

Luis Miguel Novais 

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Estado dentro do Estado

Ao ler as mais recentes revelações do jornal Expresso sobre os últimos anos de Mário Soares antes do 25 de abril de 1974 ("Soares ao pelotão", de José Pedro Castanheira e Raquel Albuquerque, edição de 14 de abril de 2022), retive a retoma da expressão do título, aí atribuída nos seguintes termos a Mário Soares, em Nova Iorque, a 1 de abril de 1969: "Frisou que a polícia política continuava a ser "um Estado dentro do Estado" e que apenas tinha mudado de nome - de Pide para DGS -, sem que "nenhum dos seus extensos poderes" fosse reduzido".

Recordou-me que este "Estado dentro do Estado" medrava, então, no secretismo.

Como agora sucede, neste Portugal adormecido, com a Maçonaria.

Luis Miguel Novais

sábado, 9 de abril de 2022

Medievais

Na investigação para Princesa Rei tive de ler com atenção (na língua portuguesa original, saudável publicação da editora Livraria Civilização) as saborosas crónicas de Fernão Lopes, designadamente a parte do cerco posto a Lisboa por D. João I e Nuno Álvares Pereira no final do ano de 1383. Mantenho na memória que aí se refere que este último (antes de se ter arrependido e ser, hoje, considerado santo), mandou dizer ao alcaide que defendia a cidade em nome de quem era seu legítimo possuidor (a rainha D. Beatriz, que o havia herdado de seu pai, o recentemente falecido rei D. Fernando) que caso não entregasse as chaves do castelo... metia na catapulta a sua mulher e filhas (que conservavam reféns), e as mandavam ejectadas para dentro das muralhas.

Não posso deixar de pensar que estamos a fazer mais do mesmo ao manter reféns, por exemplo, pessoas como as filhas do presidente Putin, devido às atrocidades do pai - sempre putativas e recíprocas, porque a guerra, e esta em especial, se faz também de bluffs informativos (propaganda) que necessitam comprovação a posteriori.

Volvidos tantos séculos, com tantos gadgets e bons exemplos de mecanismos alternativos para dirimir diferendos (como, por exemplo, o recurso aos bens conhecidos tribunais arbitrais internacionais) parece impossível, mas mantemo-nos medievais. E assistimos a nova (desejada por quem?) corrida ao armamento.

Luis Miguel Novais

Post Scriptum: saudade já da minha colega e amiga Maria de Jesus Serra Lopes, mulher de inteligência fina e sagaz, "mulher de armas" (dos factos e razão, como se quer entre as pessoas de bem desta nave especial que nos transporta os corpos em trânsito de almas), com quem tive a sorte de conviver e privar, especialmente por ocasião do fabuloso congresso da União Internacional dos Advogados de 2003 em Lisboa, de cujas actas ficaram vários volumes em livro graças à sua presidência científica. R.I.P.

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Boa Pastora

Na nossa conversação sobre o Fantasma de Earendel ficou por mencionar, por menor, o discurso de tomada de posse do Governo pelo Presidente deste Portugal adormecido. O importante "fica, sim, até ao fim" dirigido por Marcelo Rebelo de Sousa a António Costa, é muito mais significativo (ao menos para mim) do que a esfera publicada dá a entender: é que, depois da Geringonça, o atual primeiro-ministro promoveu a segunda figura do Estado um socialista marxista trotskista, Augusto Santos Silva. Do que fazer Mário Soares dar voltas no túmulo. E com ele Jorge Sampaio (cujas facções na Maçonaria se digladiam hoje, com putsch de Pedro Siza Vieira e tudo).

A época é de Páscoa e o dia de dedicatória a uma boa amiga da parábola do Bom Pastor (João 10:11): "Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas. O mercenário, que não é pastor e a quem as ovelhas não pertencem, quando vê chegar o lobo abandona as ovelhas e foge. Então o lobo ataca e dispersa as ovelhas. O mercenário foge porque trabalha só por dinheiro, e não se importa com as ovelhas".

As ovelhas são ovelhas, os lobos são lobos, e o pastor...

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 31 de março de 2022

Fantasma de Earendel

Que coisa extraordinária observou ontem o telescópio móvel Hubble: a estrela mais distante alguma vez avistada desta nossa nave especial. A este ponto de luz demos um poético nome: Earendel.

Fica a tantos anos-luz da Terra que o mais provável é já nem sequer existir.

E pensar que homens-lobo aqui nos atormentam.

Luis Miguel Novais

terça-feira, 22 de março de 2022

Navalny

Leio no jornal Politico que mais um tribunal russo condenou Alexei Navalny a mais treze anos de prisão por fraude, ou seja por dívidas - que costumava ser uma pena de prisão proibida pela civilização e é, de novo, a desculpa das ditaduras que, à falta de melhor, utilizam pseudo-juízes para difamar e cingir os opositores - como este Portugal adormecido tinha por obrigação ainda não ter esquecido (recordando a vergonha dos chamados tribunais plenários do "Estado Novo") mas já voltou a praticar, agora com o domínio da infiltrada Maçonaria a ditar sentenças absurdas em tribunais europeus supostamente civilizados. E não falo apenas dos russos.

Para além da poeira das bombas e atroz sofrimento das vítimas de uma guerra tão absurda como são todas,  fica a recordação de que há sempre, em toda a parte, alguns juristas falsos e indignos, como nas imortais palavras de Jesus Cristo: "Ai de vós também, especialistas em leis! Porque impondes sobre os homens cargas insuportáveis e vós mesmos não tocais essas cargas nem com um só dedo" (Lucas 11:46).

Nas costas de Navalny e da Ucrânia, já lá diz o povo, vemos as nossas próprias.

Luis Miguel Novais

terça-feira, 15 de março de 2022

Fracking Calima

Ainda não sabemos bem o seu nome, mas já todos conhecemos a corajosa exibidora de um cartaz contra a guerra na Ucrânia numa emissão televisiva em directo na Rússia. Não sou apostador, mas tenho a certeza de que já nem o Sr. Putin quer mais desta guerra injusta.

Há uns anos, já nem me lembro quantos, recordo ter dito também em directo numa emissão televisiva no Porto Canal que este Portugal adormecido, pelo seu conhecido solo granítico, devia apostar no fracking. Se bem recordo, até disse que por esta altura a paisagem fronteiriça ao Douro vinhateiro já deveria estar transformada, com muita riqueza libertada do subsolo, acompanhada pela nossa independência energética. Entretanto, infelizmente, um Governo adormecido aposta agora na importação do produto do fracking dos Estados Unidos da América... que, entretanto, se tornaram energeticamente independentes da Rússia. Nós é que nem para lá caminhamos.

Chamemos-lhe Calima, à corajosa russa do cartaz televisivo. Como a este vento carregado de areias do deserto que pinta de cor laranja os céus da Europa. Sinal de paz!?

Luis Miguel Novais

terça-feira, 8 de março de 2022

Mais Dois

O sofrimento atroz das vítimas do inverno ucraniano relativiza o nosso próprio. A mim, pelo menos, nos intervalos de pensar naquelas pessoas vítimas de tamanha violência gratuita, até já me ocorre humor negro.

Recordo que na crise mundial de 2008 o que sustentou o convívio humano nesta nossa nave especial, e evitou males maiores, traduziu-se naquela alegoria de dois bêbados à saída de um bar, encostados um ao outro, para não caírem. Tratava-se, na altura, dos Estados Unidos da América (devedores) e da China (credores). A queda de um implicava, forçosamente, a do outro.

O que parece que poderá impedir a escalada mundial desta feita são mais dois: a Alemanha depende da energia da Rússia, que depende dos respetivos pagamentos.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 2 de março de 2022

Não à guerra

Carta aberta ao Senhor Putin:

Prezado colega jurista,

Como sei que me lêem na irmã Rússia (designadamente aí leram o meu texto "General Metrópole", segundo narram as estatísticas que me transmite a Google), sem quebra de modéstia, desejo que o informem também desta minha proposta de solução do atual conflito, de jurista para jurista:

1. Retomemos o direito internacional baseado na Carta das Nações Unidas e derivados.

2. Admitamos para a Ucrânia uma solução similar à da Áustria.

3. Paremos, de imediato, toda a violência.

Costumo ensinar aos meus alunos que nós, os profissionais do Direito, somos a última fronteira antes da guerra. Mostre-nos, senhor Putin, que está à altura da sua própria formação como jurista. Diga não à guerra!

Luis Miguel Novais

sábado, 26 de fevereiro de 2022

General Metrópole

Acabo de constatar que o servidor do Tribunal de Justiça da União Europeia está indisponível, com uma mensagem em russo a dizê-lo (não sei russo, mas por curiosidade meti num bot os caracteres cirílicos que assustadoramente surgem na página de entrada e foi isso que deu). Tentativas de entrar no site pelos motores de busca remetem para uma página que também diz isso (em russo e várias outras línguas).

Se dúvidas tinha, estou agora convencido de que o novo Putin:

- não limitará as suas lamentáveis acções à Ucrânia, que invadiu como traidor e já causou mortes civis, crimes de guerra; até a instituição que na União Europeia é a casa do Direito não lhe merece respeito;

- desrespeita de modo grosseiro o sistema de direito internacional a que se submeteu até aqui, designadamente mantendo em causa própria a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas em violação das regras de procedimento anteriormente adoptadas pelas Nações até aqui Unidas, como bem assinalou ontem o embaixador da Ucrânia;

- ficará para a História como um novo Hitler.

Felizmente, como podemos constatar pelo que vai sucedendo na Ucrânia, as forças militares de Putin são, afinal, um lento gigante com muitos pés de barro: não vão poder conquistar pessoas que vivem em metrópoles. Que é o modo de vida na Europa de hoje. Pode conquistar-nos computadores, mas não vai poder conquistar-nos a nós. Como ele próprio também acaba de aprender em Kyiv. Tal como o General Inverno derrotou Napoleão e Hitler na Rússia, o nosso General Metrópole derrota-o na Europa. Como, de resto, já sucedeu com Átila. O que nos retira o medo deste novo Putin.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Memoria

Tenho andado a ler "Emotional - The New Thinking About Feelings", de Leonard Mlodinow" (Penguin, 2022), muito interessante compilação sobre a extraordinária evolução das ciências cognitivas nos últimos vinte anos. Os mesmos loucos anos que temos vivido neste início de novo milénio, ainda nos escombros das Torres Gémeas e do Lehman Brothers. Naquele que parece ser, hoje, o renascer de uma nova/velha guerra nesta nossa nave especial. De consequências ainda, naturalmente, desconhecidas.

Curiosamente, ou não, a indústria seguradora discute nos tribunais americanos se estas coisas a que temos estado a assistir (do género ciber-ataques), são ou não, juridicamente, guerra: se são, não pagam; se não são, terão de pagar as coberturas dos respectivos contratos sobre os danos. Todo um mundo subterrâneo de dinheiro a partir de falhas de computador.

Nada de comparável com o sucedido ontem, relativamente ao qual não existem dúvidas: contrariamente ao desejável, a Rússia invadiu fisicamente parte do território da Ucrânia. Embora se possa e deva agora debater e julgar a questão juridicamente (sobre se tem justificação de direito internacional, como reclama a Rússia), o facto subsiste. E é de lamentar.

Parte da evolução espectacular das ciências cognitivas nos últimos 20 anos (às quais desejavelmente voltarei ao longo da minha lenta e saboreada leitura de Emotional), vem também retratada no brilhante filme  Memoria (de 2021, aqui). Uma "Bang Story" muito mais interessante do que a do Sr. Putin.

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Tribunais Independentes

A semana foi particularmente satisfatória para aqueles que, como eu, participamos na cruzada infinda por tribunais independentes, pilar essencial da con-vivência pacífica.

Na minha particular luta contra o atual Presidente do Supremo Tribunal de Justiça deste Portugal adormecido, vimos ontem reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (no processo T-66/22, Novais/Portugal) o princípio de que um tribunal independente e imparcial requer que os juízes não revistam a nacionalidade das partes - sobretudo quando uma delas é o próprio Estado-membro (mal-grado a má-prática de haver juízes que não se escusam de moto próprio, submetendo-se deste modo a inúteis e perniciosas suspeitas sobre a sua imparcialidade).

Na mesma cruzada pelo Estado de Direito, o mesmo Tribunal de Justiça da União Europeia (nos processos C-156/21 Hungria/Parlamento e Conselho e C-157/21 Polónia/Parlamento e Conselho), a propósito da legalidade do Regulamento que o Parlamento e o Conselho adotaram em 16 de dezembro de 2020, que estabelece um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União em caso de violação dos princípios do Estado de Direito num Estado-membro (vulgo, não te entrego o dinheiro da "bazuca" se não te puseres na linha), veio, também ontem, proferir uma importante declaração de princípio sobre o Estado de Direito que deve doravante pôr em sentido todos os políticos dos Estados-membros da União, este Portugal adormecido naturalmente incluído: "este conceito inclui o princípio da legalidade, que pressupõe um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista, bem como os princípios da segurança jurídica, da proibição da arbitrariedade dos poderes executivos, da tutela jurisdicional efetiva, incluindo o acesso à justiça, por tribunais independentes e imparciais, inclusive no que diz respeito aos direitos fundamentais, da separação de poderes, e ainda da não discriminação e da igualdade perante a lei".

Neste mesmo feliz sentido de decência se pronunciou, de modo independente e unânime, o Tribunal Constitucional deste Portugal adormecido (no processo 133/2022), anulando a chapelada de votos e mandando repetir as eleições legislativas no Círculo da Europa, que compreende mais de um milhão de Portugueses forçados a emigrar para outros Estados-membros pelo socialismo económico vigente, que nos arrasta para o fundo.

Sem tribunais independentes, já lá diz o povo: "paga o justo pelo pecador". O que é contra-natura.

Luis Miguel Novais

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Miguel

A atual Constituição da República Portuguesa (CRP) é apenas de 1976. Bebe na de 1822 o desejo instituidor de liberdade individual de cada cidadão deste Portugal adormecido. Cujos antepassados remontam, pelo menos, aos primeiros desenhadores nas pedras do vale do Rio Côa, que aqui viveram há cerca de 25.000 anos atrás.

A atual CRP, muito jovem portanto, é imperfeita. Mas bastante inclusiva: basta pensar que incorporou no nosso ordenamento jurídico a lei internacional dita de direita (o Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas), em conjunto com a lei internacional dita de esquerda (o Pacto de Direitos Sociais e Económicos das Nações Unidas). E ainda bem.

"A liberdade regrada pela lei" era, de resto, um dos sonhos de um dos principais agentes da Revolução do Porto de 1820, Ferreira Borges. E é ainda o meu, e imagino que também o seu. A liberdade regrada pela lei impede os tiranos. Tanto os que são contra a liberdade, como os que se colocam fora da lei.

Esta semana assisti ao filme "Munique" da Netflix, que branqueia ou repõe a verdade sobre Chamberlain na sua relação com Hitler. Dúvida metódica que deve servir para o, também esta semana vívido, debate sobre a ascensão do partido extremista Chega na Assembleia da República. Os limites parece-me que devem ser esses mesmos: liberdade regrada pela lei. Lei que, em Democracia (o regime da atual CRP) é determinada pela maioria, dentro dos limites (anti-abuso, naturalmente) da própria CRP e da inclusiva lei internacional (que hoje também inclui os Tratados da União Europeia) a que está vinculada a República Portuguesa e, com ela, todos nós, sem excepção.

A triste anulação em massa dos votos das urnas dos Portugueses que vivem fora do rectângulo (mais de cem mil, como é possível!?), conjuntamente com a inaceitável batota prolongada dos cadernos eleitorais (qualquer criança em idade escolar fará as contas e verificará, incrédula, que não somos assim tantas pessoas, somando as que não têm idade para votar), clamam pelo Poder Moderador a que já apelava Ferreira Borges, há 200 anos atrás.

O atual Presidente da República Portuguesa, mestre em relações públicas nos tempos contemporâneos, bem o poderá/deverá inaugurar agora, finalmente, no quadro da CRP. Do mesmo modo que já ficará para a História por ter estabelecido o bom princípio do nome próprio, sem Dom a precedê-lo. A Marcelo bem poderá vir a suceder Leonor (Beleza) ou António (Barreto), ou outro Português capaz de exercer o Poder Moderador. Até eu, Miguel, que parece que nasci para isso, já que venho a praticá-lo há mais de 35 anos nos Tribunais como na vida.

Luis Miguel Novais

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Santiago do Caminho

Por alguns minutos, perdemos ontem o ocaso em Finisterra. Ainda bem. Assim teremos de voltar. Ainda não é o fim do Caminho.

Em recuperação do acidente corporal que me levou ao Hospital por bem três vezes em 2019, a Isabel e eu pusemo-nos a fazer o Caminho de Santiago. Intermitentemente, com pandemia pelo meio. Circulando. Deambulando. Caminhando. Ontem, chegámos.

Não há propriamente um Caminho de Santiago. É uma ideia mágica. Interior. Tem tanto de racional como de emocional. Não tem de ser a pé. Nem linear. Nem contínuo. Assim tem sido desde há mais de mil anos. Percorrido como peregrino. De cada um sabe porquê e, consigo só Deus, sabe o quê.

O Hostal dos Reyes Católicos, na Praça do Obradoiro de Santiago de Compostela, reclama ser, possivelmente justamente, o mais antigo Hotel do mundo - começou a funcionar pelo ano 1510. Os seus vetustos muros já viram de tudo. O pequeno-almoço bufete agora, neste rescaldo de pandemia, serve-se com pinças individuais. Uma grata evolução higiénica (é curioso notar como ainda estamos a evoluir).

Outra grata evolução é o Museu do Pobo Galego. De um núcleo etnográfico de finais do século XX, está neste momento (de há duas semanas para cá) a evoluir para uma narrativa de um povo singular, que é comum à da parte Norte Litoral deste Portugal adormecido: a Callaecia do romano Decimus Iunus Brutus deu origem à Galiza... mas tinha capital original (segundo os autores romanos clássicos) na minha Braga natal. À nossa atenção, em sede de regionalização.

As Entre-ruas do velho casco histórico de Santiago de Compostela continuam mágicas. Desafiando a lógica rectangular das cidades construídas à romana, só estas travessas para iniciados permitem circular rapidamente entre as ruas paralelas, como rios. Alguns ainda as aproveitam para verter águas pouco higienicamente. Mas, em compensação, numa delas (segredo homónimo) come-se magnificamente um pulpo à feria e umas zamburiñas de fazer querer nunca mais acabar o Caminho.

Na minha juventude, aqui passei um período de estudos que, à boa maneira da Movida dos anos 80 do século passado, melhor se concretizava no Caminho do Paris-Dakar - que correspondia a começar a noite no bar Paris e só acabar no Dakar, com muitas etapas de permeio. Parece que a pandemia actual fechou este último. Uma involução.

A Catedral continua imponente e solene, agora de torre alta iluminada em projecção a branco e roxo, visível de toda a noite de ruas e entre-ruas do Caminho, recordando-nos o prolongamento do Ano Xacobeo de 2021 para 2022. E para sempre.

Quando chegámos a Finisterra, vimos a luz do farol. Sob a da Lua. Hoje, há Sol. Desejo, daqui e de sempre, de peregrino: "Bom Caminho"!

Luis Miguel Novais

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

O Regresso de Dumbo

Como democrata não posso deixar de saudar a vitória eleitoral do Partido Socialista deste Portugal adormecido. A democracia é a regra da maioria dos votos livres, e os números (mesmo para lá das aritméticas políticas como a de Hondt) não deixam dúvidas. Infelizmente, ganharam.

Nem me pareceria justo estar agora a fazer comparações com o tristemente famoso mapa cor-de-rosa com que se procurou pintar o então Portugal africano no século XIX. O mapa cor-de-rosa do Portugal continental do século XXI é bem demonstrativo da histórica maioria de esquerda socialista atingida pelo Primeiro-Ministro António Costa  - que nem Afonso Costa, nem Mário Soares, nem nenhum outro líder socialista antes dele, lograram obter. A transferência de votos do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda teve tanto de surpreendente quanto de avassalador.

Resta-nos a simpática imagem da Disney: tem uma espécie de asas, voa, mas não deixa de ser um elefante.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Voto PPD

Além de um monumental desabafo com as letras todas, o presidente Biden dos Estados Unidos da América disse esta semana uma frase mais lapidar: "I'm not a socialist. I'm a mainstream democrat". Eu também.

De resto, o assunto tem reflexo internacional nos dois grandes grupos desta nave especial que defendem incondicionalmente a democracia: a Internacional Socialista (Aqui) e a Internacional Democrata de Centro (Ali).

Neste Portugal adormecido chama-se Social Democrata (muito por culpa do seu atual líder) ao PPD/PSD, que internacionalmente não o é. Mas quem, como eu, não muda de família política e não é socialista, no domingo vota PPD.

Luis Miguel Novais

domingo, 23 de janeiro de 2022

Global Law and Culture

Gosto de ler durante a semana a edição em papel da revista The Economist. Que folheio aos domingos, como hoje.

Na edição que acaba de me chegar às mãos ressalta uma publi-reportagem (leia-se publicidade paga) sobre aquilo que fazemos, os que aí colocamos os nossos CV, na rede social LinkedIn, pertencente à Microsoft; como diz um amigo meu: "the way you market yourself". Pois eu, como não sou de me pôr em mercado, escolhi (afinal tomando partido pelo branding em lugar do marketing, segundo o aludido anúncio) autobiografar-me em língua inglesa (uma das cinco em que trabalho, mas que hoje faz as vezes de "língua franca") e, porque tinha que escolher um título, dei-me este que agora re-divulgo: "Global Law and Culture". Sou eu. Visto por mim. É o que que me interessa (que se possa saber). A partir desta minha repetida fixação (vd., e.g., "Virados para a Lua") de que não somos mais do que passageiros de uma nave especial a que chamamos Terra, em missão anual em volta do Sol.

Finalmente, The Economist acompanha-me em parte: esta semana, acaba de mudar a secção (que eu já muito apreciava) "Books and Arts" para a mais vasta "Culture" (com a sua maior abrangência e diversidade, segundo espero e já declaram como sinal dos tempos). Lá chegará o tempo em que também The Economist chegará à conclusão do meu próprio título, como aquilo que realmente nos interessa no inter-relacionamento (as verdadeiras infra-estruturas da paz e amor entre os tripulantes): Global Law and Culture.

Constato, com tristeza, que se trata de temática ausente do corrente debate eleitoral neste Portugal adormecido.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Praticar o Direito

Nas traduções e tradições perde-se algum do conteúdo global essencial do humano. Direito é uma dessas palavras cuja variabilidade percorre os oceanos, os rios e os ribeiros, em várias línguas. E é uma pena. Porque é esse um dos melhores e maiores inventos da humanidade. Que dito e escrito como esteja, seja onde e quando for, todos compreendemos. Especialmente quando confrontados com a sua ausência, manifestada no universal desabafo: não há direito!

Desde sempre, pelo menos desde quando há escritos e muros e marcos que possamos ainda hoje compreender, o direito é uma preocupação dos humanos. Desde logo, porque a propriedade (e seus inerentes direitos/deveres) não resulta da natureza, que não foi quem murou nada artificialmente. O que me leva a costumar dizer que só não há direito na Lua, mas é porque ainda não há lá humanos.

Dos escritores antigos sobre direito costumamos recordar sempre a República de Platão, a Ética de Aristoteles ou as Obrigações Civis de Cícero. Costumando esquecer um escritor ainda mais antigo do que qualquer um deles: Jeremias. O profeta Jeremias, que esteve activo na escrita entre 627 e 586 antes de Cristo, portanto há mais de 2.500 anos. E de cujos diálogos proféticos com Deus, hoje escritos no Antigo Testamento da Bíblia, resultam estas pérolas literárias (para além da fé de cada um):

- "fidelidade, direito, justiça"

- "tentai achar alguém que esteja a praticar o direito e procure a verdade"

- "a sua maldade passa dos limites; não julgam conforme o direito"

- "se cada um começar a praticar o direito com o seu próximo"

- "Tu, porém, Javé dos exércitos, és um juiz justo"

- "Gostaria de fazer-Te uma pergunta acerca do direito: Porque é que o caminho dos ímpios prospera e os traidores vivem todos em paz?"

- "Não deixes impune a injustiça"

- "Administrai a justiça e libertai o oprimido da mão do opressor"

- "Assim diz Javé: Praticai o direito e a justiça"

- "Pois ele fez o que é justo e o que é direito, e no seu tempo tudo lhe correu bem"

O verdadeiro problema da Justiça é uma contradição apenas aparente, já enunciada por Jeremias: "juiz justo".

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Escutadores

Quando era menino, divertia-me escutar os estranhos sons da Onda Curta (que é a mais longa) nos velhinhos rádios de válvulas que coleccionava o meu avô Albano. Ouvia de tudo, desde comunicações entre navios em estranhas línguas, até fantasmas. Ainda ouço fantasmas, mas agora no telemóvel.

Esta semana, a EDPS (European Data Protection Supervisor, ou seja o organismo independente que supervisiona o respeito pela privacidade e proteção de dados na União Europeia) divulgou a sua decisão de 21 de dezembro de 2021 relativamente à Europol (European Union Agency for Law Enforcement Cooperation, a polícia europeia, digamos assim): a EDPS ordena à Europol que apague os dados dos indivíduos sem conexão criminal estabelecida!

Vale a pena ler (aqui) esta brava decisão contra os escutadores de telemóveis.

Luis Miguel Novais

sábado, 8 de janeiro de 2022

2039

Quis o Menino Natal que os meus filhos me oferecessem a edição internacional impressa nos Estados Unidos da América, em língua inglesa, do recente livro "2034 - A Novel of the Next World War" (de Elliot Ackerman e James Stavridis, Penguin Press, 2021), que acabei de ler. Não vou ser spoiler escrevendo sobre o argumento da obra de ficção. Mesmo assim, se ainda não leu o livro, poderá não querer continuar a ler-me agora, porque vou dar a minha visão do que nele subjaz. Na realidade, trata-se de uma obra de ficção científica, ou futopia (ao melhor estilo Carl Sagan), baseada em factos actuais e pouco conhecidos em matéria de guerra.

Por se tratar da edição internacional, destinada a exportação, assumo que foi censurada e autorizada pelos pertinentes serviços dos Estados Unidos da América e, por isso, não contém Secret. Este disclaimer é necessário porque, há dez anos atrás, estive em funções públicas que me deram acesso a material classificado da Defesa Nacional e da NATO. E, bem assim, porque conheci pessoalmente um dos autores, o Almirante James Stavridis, que me deixou a melhor das impressões de humanista, sábio e sensato, quando foi Supreme Allied Commander da NATO.

Partilho alguns dos meus sublinhados:

- "there was always a man in the machine" (pg. 34)

- "judicious patience" (pg.94)

- "our entire constellation of satellites are now under your command" (pg.95)

- "diplomatic niceties" (pg.95)

- "American morality" (pg. 95)

- "They got the drop on us, or shut us down, or I don't even know how to describe it" (pg.97)

- "oftentimes the key to severing the Gordian knot of diplomacy was a personal connection, a familial connection" (pg. 104)

- "answered with a single Russsian word: kompromat" (pg. 113)

- "inconvenient and combustible masses prone to rebellion" (pg. 114)

- "In war, it's not that you win. It's how you win. America didn't use to start wars. It used to finish them" (pg. 117)

- "we have learned the lessons that you have forgotten" (pg.119)

- "the Chinese were able to take control of these drones once they came into a certain range, disabling their sensors and controls" (pg. 122)

- "refashioning one of her squadrons as a «dumb squadron»" (pg. 122)

- "Their unpredictability makes them very dangerous" (pg.134)

- "No fewer than five hundred fiber-optic cables, which accounted for 90 percent of North America's 10G internet access, criss-crossed these icy depths" (pg. 136)

- "the complex mix of cyber cloaking, stealth materials, and satellite spoofing had kept his fleet well hidden" (pg. 137)

- "impressive and still-mysterious combination of technologies" (pg.144)

- "the result of yet another Chinese cyber hack" (pg. 146)

- "reduced reliance on high-tech platforms" (pg. 148)

- "The deregulation that had resulted in so much American innovation and economic strength was now an American weakness. Its disaggregated online infrastructure was vulnerable in a way that the Chinese infrastructure was not" (pg. 152)

- "Although few Cold War precepts had aged well in the twenty-first, the logic of mutually assured destruction was one of them" (pg. 158).

De facto, esta semana, mais precisamente a 3 de janeiro de 2022 (já depois da publicação do citado livro), tivemos todos a felicidade de receber a declaração conjunta das cinco nações com poder militar nuclear com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ou seja: América, China, Rússia, França e Grã-Bretanha), neste mesmo sentido de não uso de armas nucleares e contra corridas ao armamento (ver, e.g., aqui).

Ficam de fora (ainda) as quatro demais nações que se sabe que dispõem de armamento nuclear (ou seja: Coreia do Norte, Índia, Israel e Paquistão). Com as demais... E potenciais consequências como as do livro 2034, que termina em Nova Delhi, 7:40 (GMT +5:30), do dia 16 de abril de 2039.

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Ternura

Ternura, hoje, parece uma palavra tão obsoleta quanto clausura. 

E, no entanto, é esta a mensagem de Natal e Ano Novo que me enviaram umas caras monjas dominicanas de voluntária clausura neste nosso tempo: "um olhar de ternura no Natal", reza o seu postal digital, acompanhado de uma bela ilustração artística contemporânea de São José observando, com ternura, Santa Maria e o Menino Jesus sob as estrelas.

Um bem investigado documentário passou este mesmo Natal no canal televisivo DW News, sob o título "The true story of Santa Claus" (de Axel Clevenot e Julien Boustani, 27 de dezembro de 2021). Duvido que as monjas de clausura tenham visto esta interessante narrativa sobre a recente ascensão por via publicitária e televisiva do Pai Natal (que na minha infância era pouco mais do que aquele quase desconhecido que descia pela chaminé na televisão, já que eram os Reis Magos quem realmente tratavam das prendas nos sapatinhos), mas quero aqui partilhar com todos que este documentário da Deutsche Welle coloca muito bem a recente oposição/apropriação histórica entre Menino Jesus e Pai Natal. Na qual, naturalmente, eu escolho o Menino Natal!

Encontrei esta comunidade de monjas aquando da minha investigação para esse meu outro livro que ainda não viu a luz, mas já se encontra registado no IGAC com o título Princesa Rei. Temo-nos correspondido desde então. Este ano 2021-2022 tocou-me lotaria: "com todo o carinho a essa querida família, esperando que esteja bem, Feliz Natal e Ano cheio de Deus!".

Que maravilha: um ano cheio de Deus...

Para si também!

Luis Miguel Novais

domingo, 26 de dezembro de 2021

Voar na Torneira

Não nascemos com asas mas gostamos de voar. Na nossa geração, já voámos mais do que qualquer ser humano antes de nós, de que tenhamos conhecimento (já que, na definição da minha filha Beatriz na sua infinita sabedoria de quando tinha cinco anos, extra-terrestres "foram os primeiros que chegaram à Terra").

Nos anos 90 do século XX, a minha vida profissional levou-me a voar de e para todos os continentes. Coisa que, estou certo, muito poucos humanos haviam feito antes do advento da aviação comercial, pelos anos 50 do mesmo século.

Voei de (quase) todos os modos: de Concorde, entre Londres e Nova Iorque; em First entre Londres e Sydney; sobrevoando as Estepes entre Frankfurt e Pequim; mais de quinze horas seguidas no ar, entre Paris e Buenos Aires; contornando o Gulf Stream entre Madrid e México D.F.; e mais um longo etc., que inclui 30 países na Europa, África, Ásia e as Américas.

Como sempre vivi no Porto, raramente usei o hub de Lisboa da TAP. Porquê? A resposta vem (ironicamente) dada pela própria CEO atual (transitória) desta companhia aérea pública (em entrevista ao jornal Público de 24 de dezembro de 2021): "O Porto nunca será um segundo hub da TAP"... "quando se vê a geografia de Portugal percebe-se" ... "quem viva em Nice, por exemplo, tem duas opções (para ir para o Sul): ou vai por Paris ou vai por Lisboa". E quem vai do Porto para o Norte da Europa ou o resto do mundo, também vai por Lisboa?

As máquinas tradutoras devem ter traduzido TAP por torneira. O que também revela os erros de estratégia comercial de quem a dirige, desperdiçando como água o dinheiro público deste Portugal adormecido.

Luis Miguel Novais

sábado, 18 de dezembro de 2021

Natal com Pombal

Não fôra a pandemia, por este Natal deveria estar publicado o meu novo livro Natal com Pombal (já registado no IGAC com este título). Ainda não foi desta. Paciência, haverá mais Natais.

Trata-se de mais uma tragédia portuguesa. Cujo protagonista é aquele personagem sobre quem todos temos uma opinião: o Marquês de Pombal (1699-1783). Apesar dos mais de 3.000 títulos sobre ele publicados, mergulhei em fontes primárias para formar a minha. Fiquei a conhecê-lo muito bem. Sobretudo a partir do seu arquivo pessoal e familiar, a hoje chamada Colecção Pombalina, que se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal. Para facilitar a consulta, paguei do meu bolso a digitalização de uma parte deste arquivo - a título de mecenato, desde então consultável por todos. Satisfaz-me muito saber que este Portugal adormecido vai aplicar uma parte dos donativos europeus correntemente denominados por PRR ou "bazuca" na digitalização do remanescente. Assim, todos passaremos a conhecê-lo. E, porventura, mudar de opinião.

Com atualidade, destaco o seu empenho na reforma do ensino em Portugal. Foi sob o seu Governo que foram criadas escolas primárias e secundárias públicas e laicas. Tendo ele sido um nobre, fidalgo da Casa Real (ao contrário do que pretenderam muito bons autores como Latino Coelho, Camilo Castelo Branco ou Agustina Bessa Luís, os documentos que o comprovam encontrei-os na Torre do Tombo de Portugal), apercebeu-se de que aqueles que viriam governar o país não estavam a ser suficientemente educados para o ofício (seu pai era um intelectual das Academias de então, formou-o privadamente na Arte da História e na Arte da Política, conforme resulta de dois livros cuja digitalização suportei e são agora públicos). Criou, pois, um Real Colégio dos Nobres, para os educar no trivium, quadrivium e demais que (ainda) faz falta aos governantes. E fez traduzir para língua portuguesa instrumentos importantes para a educação, de então como de agora.

É o caso da minha prenda de Natal para si (à espera de poder vir a proporcionar-lhe no futuro o completo Natal com Pombal): Cícero sobre as Obrigações Civis. Trata-se de um livro fundamental (que eu coloco no meu top cinco dos clássicos de sempre), da autoria de Cícero, um autor romano que viveu entre 106 a.C.-43 a.C, traduzido pelo italiano Miguel Antonio Ciera, por encomenda do Marquês de Pombal (então ainda Conde de Oeiras), em 1766. Aí se encontra a base do que é ser civilizado, de há mais de 2.000 anos para cá. De grande atualidade.

Poderá (re)lê-lo aqui: «Os »tres livros de Cicero sobre as obrigações civis / traduzidos em lingua portugueza para uso do Real Collegio de Nobres.

Feliz Natal!

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Portugal Amordaçado

No Verão de 2007, comprei e li o livro Portugal Amordaçado - depoimento sobre os anos do fascismo (1ª edição em Português pela Arcádia, Outubro de 1974), de Mário Soares. Seguindo o fio das coisas, este Portugal Adormecido foi primeiro publicado em 26 de junho de 2008 (aqui). Ambos os títulos referenciáveis ao mais longo fio que vem do Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins (de que possuo a 3ª edição, publicada em Abril de 1894). Ao contrário destes dois autores, porém, nunca fui socialista. Retomando a famosa formulação de Mário Soares, que se dizia "socialista, republicano e laico", sou independente, republicano e cristão. O que não me impede de, com eles e tantos mais, pugnarmos pelo mesmo: Portugal, ponto.

Vem isto a propósito do lançamento esta semana de parte da obra inédita de Mário Soares e, sobretudo, a publicação (pelo jornal Público de 13 de dezembro de 2021) de uma carta inédita que lhe dirigiu Francisco Sá Carneiro, em 20 de junho de 1972, e que não resisto a republicar, com a devida vénia:

"Meu prezado colega:

Estava a meio do seu livro (nota do Público: edição francesa de Portugal Amordaçado, editado em 1972; acrescento eu: em maio de 1972) quando tive a grata surpresa de receber, enviado pela casa editora, o exemplar que teve a amabilidade de enviar, com muito simpática dedicatória; agradeço-lhas sinceramente.

Apreciei muitíssimo o seu livro, testemunho lúcido e franco sobre a nossa situação inalterada; só fiquei com pena de não ter lido aquilo que, segundo se diz, teve de ser suprimido dado tratar-se de edição francesa. Foram novidades, tristes novidades, muitos dos factos narrados no seu corajoso livro, o que veio avivar-me a consciência da situação de alheamento e falta de informação em que somos forçados a viver.

Tenho pena que nunca nos tivéssemos encontrado, mas espero ter oportunidade de lhe apresentar pessoalmente os agradecimentos que aqui lhe renovo.

Creia-me com cumprimentos cordiais e sinceros,

Francisco Sá Carneiro".

Ambos foram meus colegas de profissão como advogados e manda a boa educação tratarmo-nos por aquilo que somos: colegas de tão útil quanto duro ofício. A amabilidade que exuda toca-me e parece-me exemplar. Tanto mais que já se encontravam então, muito antes de fundarem o PPD/PSD e o PS, em lados opostos da barricada.

Estávamos a quase dois anos do 25 de abril de 1974. Presidente da República era o Almirante Américo Tomás e Primeiro-ministro era Marcelo Caetano. Sá Carneiro era deputado na Assembleia Nacional do Estado Novo - onde pontificava na chamada Ala Liberal. Mário Soares encontrava-se exilado - fôra deportado por Salazar para a ilha de S. Tomé e, apesar da "Primavera Marcelista", então ainda impedido de regressar a Portugal continental.

Não se conheciam pessoalmente. Eram adversários. Mas tratavam-se com cordialidade, sinceridade e mútuo respeito. Por Portugal. Uma lição de atualidade política.

Luis Miguel Novais

domingo, 12 de dezembro de 2021

O pijama do banqueiro

Há mais de dez anos atrás, representei judicialmente como advogado credores do, entretanto falido, Banco Privado Português. Não tenho dúvidas em considerar moralmente insustentável e judicialmente censurável a conduta do seu ex-presidente, Sr. João Rendeiro. Mas não aceito, também, a postura dos polícias e jornalistas que agora o exibem em pijama, qual troféu de caça.

Este Portugal adormecido aderiu em 1976 à Convenção das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos (CNUDCP) - de que, de resto, também faz parte a África do Sul. Esta lei internacional obriga os polícias e jornalistas portugueses e sul-africanos a respeitarem alguns direitos básicos fundamentais, designadamente:

- o de ninguém ser submetido a tratamento cruel ou degradante (artigo 7 da CNUDCP);

- o de toda a pessoa privada da sua liberdade dever ser tratada com humanidade e com respeito pela dignidade inerente à pessoa humana (artigo 10-1 da CNUDCP);

- o de o direito/dever de liberdade de informação não ser absoluto e encontrar limite, por exemplo, nos citados direitos alheios (artigo 19-3, alínea a) da CNUDCP).

Desejo que o Ministério Público faça, também neste caso, cumprir essas obrigações internacionais do Estado, e correspondentes leis nacionais, designadamente perseguindo judicialmente os polícias que tiraram a fotografia e os jornalistas que a divulgam. 

O apedrejamento não é pena, é selvajaria.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Espírito Santa

Hoje é dia de Missa também para aqueles católicos livres no exemplo de Jesus Cristo que, como eu, não sentem obrigação de frequentar um templo com periodicidade pré-estabelecida por um sistema de justiça retributiva baseado em pecados, penas e expiações, supostamente nas mãos de alguns Doutores terrenos. Neste dia, celebramos o eterno espírito no feminino.

Hoje, dia da Imaculada Concepção, é feriado internacional. No sentido de que não é um dia de feriado nacional de algum país. Parece-me adequado listar, por ordem alfabética, as 23 jurisdições em que este feriado se celebra (fonte: officeholidays.com): Andorra, Argentina, Áustria, Chile, Colômbia, Espanha, Filipinas, Guiné Equatorial, Itália, Liechenstein, Macau, Malta, Mónaco, Nicarágua, Paraguai, Perú, Portugal, San Marino, Seychelles, Suíça, Timor Leste, Vaticano, Venezuela. 

Dificilmente se lhe pode chamar, por isso, um feriado católico. Tradição que se encontra arreigada, e até vem prosaicamente explicada no citado sítio de que me socorro nesta minha vida profissional terrena de carácter internacional (que hoje de manhã, por exemplo, já me levou a tratar de assuntos profissionais em países maioritariamente católicos como a Bélgica e o Luxemburgo, onde não é feriado, como também não o é na Alemanha e na França, para não ir mais longe): "Este dia tem sido celebrado desde o oitavo século, mas a idéia de que a palavra Imaculada significa que Maria nasceu sem pecado original dividiu os teólogos ao longo dos séculos. Foi apenas em 1854 que o Papa Pio IX estabeleceu este dogma da Igreja Católica Romana".

Como saberá, de resto, a Imaculada Concepção não é a de Jesus Cristo. Com efeito, Santa Maria procriou de São José (injustamente chamado pai putativo, e apenas aparentemente modesto carpinteiro, que descende do Rei David, o que torna Jesus Cristo putativo Rei dos Judeus) pelo Advento (25 março), o que leva aos nove meses até 25 de dezembro. A Imaculada Concepção é a da própria Maria, mãe de Jesus - anunciada pelo Arcanjo Gabriel. Espírito Santa, portanto.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

O Conselheiro dos Açores

Mão amiga fez-me chegar uma entrevista recente do Juiz Conselheiro Araújo de Barros, pessoa viva e íntegra que muito admiro, há mais de três décadas. Merece partilha e comentário neste dia em que, a justo título, celebramos a nossa independência.

Neste Portugal adormecido adjetivamos como "Desembargadores" os juízes dos tribunais de segunda instância, e como "Conselheiros" os juízes dos tribunais superiores. O Juiz Conselheiro Araújo de Barros integra atualmente o Tribunal de Contas. Poder-se-ia dizer que preside a Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas, não fosse a circunstância de ser o único. Na realidade, neste país ainda indevidamente centralizado, mesmo na Região Autónoma dos Açores apenas existe um Juiz Conselheiro. E nenhum outro tribunal superior ou de segunda instância.

Os apelos e outros agravos judiciais açorianos vão todos parar a Lisboa. O que leva a circunstâncias absurdas, como a que resulta da dita entrevista, publicada no dia 21 de novembro de 2021, no jornal Correio dos Açores:

- Jornalista Carla Dias: "Que dificuldades encontra nos Açores, enquanto profissional em relação ao «centro de decisão» da Justiça (Lisboa)?"

- Juiz Conselheiro Araújo de Barros: "Lisboa «centro da decisão da Justiça»?! Estará seguramente a falar do que é veiculado pelo "centro da decisão da comunicação social". Pelas três televisões com sinal aberto, todas com sede em Lisboa. Ou pelos outros órgãos de comunicação social, cuja ampla difusão sistematicamente ofusca o que se vai passando por este país fora. Fazendo questão de nos encharcar a todos com o que se passa por aquelas bandas. Como se Portugal começasse a norte em Sintra e terminasse a sul em Setúbal. Esquecem-se que mesmo que chova em Lisboa, pode ser que faça sol noutras paragens. Depois chegamos à triste e irónica conclusão de que os portugueses mais ignorantes e provincianos acabam por ser aqueles que andam lá por Lisboa. Dou um exemplo quase anedótico: numa decisão de três juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, relativa a um recurso de um processo dos Açores em que se julgava um embate entre dois veículos num cruzamento, foi agravada a culpa de um dos condutores porque o veículo que conduzia seguia numa simples (!?) estrada regional. Os senhores desembargadores ignoravam (e tampouco tiveram a sagacidade de entrever) que não haveria cá estradas nacionais e que as estradas regionais são precisamente as «nossas estradas nacionais». O que os levou a decidir ao contrário do que deviam".

Acrescento eu que não é só em Lisboa que há juízes ignorantes, dependentes (inclusivé da Maçonaria, que continua a ter indevida mão invisível nos nossos tribunais), e parciais (os conúbios com seguradoras, então, roçam o escândalo quando os juízes se mostram cegos aos factos que resultam do processo, felizmente escrito e público). Mas é bom saber que, pelo menos nos Açores, há um Juiz Conselheiro sabedor, independente e imparcial. Como se deve e deseja que todos sejam.

Com o estado em que se encontra a Justiça, este Portugal adormecido teria muita sorte se o próximo primeiro-ministro (seja ele Rio ou Costa, que os juízes não têm partidos) chamasse para Ministro da Justiça o Conselheiro dos Açores. Estou certo de que os resultados estariam, pelo menos, ao nível dos do Almirante das Vacinas.

Luis Miguel Novais

sábado, 27 de novembro de 2021

Selvagens

Esta semana perdemos para a vida terrena António Serra Lopes, uma alma brilhante que tinha tudo menos ser um selvagem. Meu colega de profissão como advogado, tive o privilégio de com ele conviver e disfrutar do seu humor fino e observação sagaz. Com ele aprendi uma grande verdade sobre o dinheiro que, segundo ele me disse e muitas vezes repito: "ou está onde tem de estar, ou já vem a caminho".

Selvagens é o título de uma série televisiva francesa (porque além da língua, profissionais e paisagens, não podia ser de mais país nenhum), que trabalha a futopia de ver um "pied-noir" (alusão deprimente utilizada por alguns franceses para designar os seus cidadãos de origem argelina) eleito presidente da república e imediatamente abatido a tiro... por um miúdo pianista de ascedência argelina. Passa na RTP e é altamente recomendável.

Também esta semana, no Financial Times, o colunista Tim Harford sintetizava assim o atual momento político: "sistemas políticos polarisados dão cobertura aos corruptos, aos incompetentes e aos incapazes para os altos cargos; em ambos os lados" (in "What parking tickets tell us about political corruption").

Como diz outro amigo meu, que comunga da precisão lapidar dos mencionados: "na política, nem todos são medíocres; mas os medíocres estão lá todos".

Luis Miguel Novais

sábado, 20 de novembro de 2021

João Bond

Se ainda não viu "Glória", a primeira série portuguesa da Netflix, poderá querer não ler mais.

Tendo eu concorrido ao concurso que veio a atribuir primazia a "Glória", procurarei ser justo na derrota. Sou um escritor da tragédia portuguesa. Tenho, evidentemente, pena que a Netflix não se tenha interessado por este género. Que, bem sei, é-nos singular e diferente do que veio a ganhar. "Glória" pode ser português, como de outra nacionalidade qualquer.

Tem, claro, a língua portuguesa. Mas essa, todos sabemos, perder-se-à na tradução.

Tem, também, as paisagens portuguesas. E ainda bem. Chegam a ser bonitas.

Tem profissionais portugueses. Que além de bonitos, são bons.

Tem, finalmente, um lampejar do segredo português: revela ao grande público uma base secreta americana no Ribatejo, a RARET (bem documentada aqui).

Secreta, é um modo de dizer. Em Portugal não existem segredos por revelar. O melhor modo de os conhecer é classificá-los como secretos. Aí, "Glória" faz interagir o nosso ambíguo João Bond entre a PIDE, o KGB e a CIA (possivelmente um erro, pergunto-me se não seria antes uma base militar da DIA).

É preciso contextualizar: um espanhol, por exemplo, recordará que, na mesma época, os EUA também colocaram bases em território espanhol. E também conservaram em formol Franco, como Salazar. Que serviam objetivos geoestratégicos na luta contra o comunismo soviético - de resto, qualquer português atento também observará que Portugal e Espanha têm tido sortes internacionais irmanadas nos últimos 75 anos do pós-segunda guerra mundial: desde o veto inicial e posterior adesão conjunta às Nações Unidas, até à adesão conjunta à (hoje) União Europeia.

A História, mesmo que em ficção de base histórica, escreve-se com tempo. Passados umas centenas de anos, como já recordava Alexandre Herculano. Quando todos os protagonistas verdadeiros estão mortos, digo eu. Passados mais de 120 anos de vida terrena, diz o Génesis da Bíblia. Até lá, são histórias.

"Glória" é uma novela em fado menor.

Luis Miguel Novais

sábado, 13 de novembro de 2021

Quis custodiet

O Ministério Público deste Portugal adormecido investigou e agora acusa uma rede criminosa de militares que presumivelmente traficavam diamantes, ouro, droga e, naturalmente, branqueavam os capitais assim gerados. Só faltou roubarem armas. Mas isso já fazia parte do, também inacreditavelmente, sucedido recentemente em Tancos, não é?

Um par de notas:

- Tendo vindo a público que o Ministério Público comunicou ao Ministro da Defesa Nacional e este não comunicou ao Primeiro-Ministro, invocando segredo de justiça, haverá motivos para desconfiar do Primeiro-Ministro?

- Tendo vindo a público que o tráfico era feito em aviões militares, logo em "mala diplomática", haverá motivos para desconfiar que há mais tráfico deste tipo (por exemplo, digamos, nos aviões militares que transportam o Primeiro-Ministro)?

- Temos todos a certeza sobre a independência e imparcialidade dos magistrados? 

Já lá diz o velho ditado romano: quis custodiet ipsos custodes; ou seja, afinal quem guarda o guarda?

Luis Miguel Novais

sábado, 6 de novembro de 2021

Paris-Glasgow

Da minha juventude recordo as viagens a Londres com meu pai, que aí tinha negócios e decidiu, a partir de certa altura, levar-me com ele de aprendiz de feiticeiro. Era uma cidade coberta com fog, uma capa de nevoeiro constante que a tornava, para mim, irrespirável e, como tal, nada atractiva.

Mais tarde, em viagens a Pequim ou Nova Delhi, por exemplo, aprendi no local que essa capa de nevoeiro que, entretanto, desaparecera de Londres e encontrava nestas grandes cidades, era fruto do desenvolvimento industrial, oriunda das centrais a carvão.

O aspeto mais interessante da Cimeira COP26, que decorre em Glasgow, é que muitos países e organizações comprometeram-se a abandonar o carvão como fonte de produção de energia, fog e efeito estufa. Recomendo a leitura do Global Coal to Clean Power Transition Statement (Aqui).

Além da importância dos países que assumem o compromisso, entre os quais este Portugal adormecido, é importante sublinhar que um tal compromisso não resultava expresso no famoso Acordo de Paris que resultou da COP21, em 2015.

Por efeito natural de mercado, a importante diminuição da procura de carvão baixará o seu preço em tal medida que acabará por tornar a sua exploração mineira insustentável. Pelo que, todos acabaremos por beneficiar, mesmo os cidadãos dos importantes países não subscritores.

Londres é incomparavelmente mais bonita e melhor agora, sem fog. E assim virão a ser, também, Nova Delhi e Pequim. Progresso na caminhada de Paris a Glasgow.

Luis Miguel Novais