Riqueza, civilização e prosperidade nacional

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Sala Comum

Sou sócio do Grémio Literário, um clube à antiga, que funciona desde o século XIX no centro da capital deste Portugal adormecido, no Chiado de Lisboa, no belo Palacete Loures. Dele dizia um falecido brilhante consócio, Eça de Queiroz (1845-1900), que era a sua "quintinha no Chiado". Eu considero-o a minha sala de visitas em Lisboa. E já tenho saudade de lá receber amigos de todas as partes do mundo.

Revejo-me na mensagem do atual presidente do Grémio Literário, António Pinto Marques, publicada no boletim mensal de Abril de 2022: "O mundo assiste, atónito, às alterações na relação de forças entre estados democráticos e autocráticos. Os valores da democracia, da prosperidade e da liberdade estão ameaçados pela dureza de uma guerra. A pandemia fez vítimas e fez-nos repensar o modo como encarávamos a vida, alterando hábitos há muito enraizados no nosso quotidiano".

Acrescento que esta ruptura com o passado vem realçada na notícia de primeira página da edição de ontem do jornal FT Weekend, sob o título "HSBC break-up call". O HSBC é um Banco que, tal como o Grémio Literário, encontra as suas raízes no século XIX. O HSBC gira comercialmente sob as iniciais de Hong-Kong Shangai Commercial Corporation, com sede em Londres, e sob o lema "Think global, act local". O seu maior accionista actual, a seguradora chinesa Ping An, segundo o FT, disse à administração que era tempo de separar as operações orientais das ocidentais. Pondo fim a uma situação que dura há mais de um século.

O recente falhanço de liderança global do atual secretário-geral das Nações Unidas, o sempre prezado António Guterres, que tomou partido pelo ocidente (em maioria em termos nacionais, mas em minoria em termos populacionais nesta nossa nave especial), em lugar de assumir neutralidade e, por conseguinte, poder agora moderar entre a democracia tradicional e esta nova "democracia" oriental, no rescaldo da pandemia e da guerra, levará também forçosamente a um arranjo novo da nossa casa comum (onde, de resto, uns dormem enquanto os outros estão acordados).

Não resisto a voltar à história do Grémio Literário: foi criado para que houvesse diálogo entre as várias facções que participaram na guerra civil em Portugal. E assim se vem mantendo há mais de um século, inclusive comigo (um não alinhado por outra coisa que não seja o Direito) como sócio. Um bom exemplo para esta nova bipolarização que está no meio de nós.

Luis Miguel Novais