Na investigação para Princesa Rei tive de ler com atenção (na língua portuguesa original, saudável publicação da editora Livraria Civilização) as saborosas crónicas de Fernão Lopes, designadamente a parte do cerco posto a Lisboa por D. João I e Nuno Álvares Pereira no final do ano de 1383. Mantenho na memória que aí se refere que este último (antes de se ter arrependido e ser, hoje, considerado santo), mandou dizer ao alcaide que defendia a cidade em nome de quem era seu legítimo possuidor (a rainha D. Beatriz, que o havia herdado de seu pai, o recentemente falecido rei D. Fernando) que caso não entregasse as chaves do castelo... metia na catapulta a sua mulher e filhas (que conservavam reféns), e as mandavam ejectadas para dentro das muralhas.
Não posso deixar de pensar que estamos a fazer mais do mesmo ao manter reféns, por exemplo, pessoas como as filhas do presidente Putin, devido às atrocidades do pai - sempre putativas e recíprocas, porque a guerra, e esta em especial, se faz também de bluffs informativos (propaganda) que necessitam comprovação a posteriori.
Volvidos tantos séculos, com tantos gadgets e bons exemplos de mecanismos alternativos para dirimir diferendos (como, por exemplo, o recurso aos bens conhecidos tribunais arbitrais internacionais) parece impossível, mas mantemo-nos medievais. E assistimos a nova (desejada por quem?) corrida ao armamento.
Luis Miguel Novais
Post Scriptum: saudade já da minha colega e amiga Maria de Jesus Serra Lopes, mulher de inteligência fina e sagaz, "mulher de armas" (dos factos e razão, como se quer entre as pessoas de bem desta nave especial que nos transporta os corpos em trânsito de almas), com quem tive a sorte de conviver e privar, especialmente por ocasião do fabuloso congresso da União Internacional dos Advogados de 2003 em Lisboa, de cujas actas ficaram vários volumes em livro graças à sua presidência científica. R.I.P.