Riqueza, civilização e prosperidade nacional

sábado, 9 de abril de 2022

Medievais

Na investigação para Princesa Rei tive de ler com atenção (na língua portuguesa original, saudável publicação da editora Livraria Civilização) as saborosas crónicas de Fernão Lopes, designadamente a parte do cerco posto a Lisboa por D. João I e Nuno Álvares Pereira no final do ano de 1383. Mantenho na memória que aí se refere que este último (antes de se ter arrependido e ser, hoje, considerado santo), mandou dizer ao alcaide que defendia a cidade em nome de quem era seu legítimo possuidor (a rainha D. Beatriz, que o havia herdado de seu pai, o recentemente falecido rei D. Fernando) que caso não entregasse as chaves do castelo... metia na catapulta a sua mulher e filhas (que conservavam reféns), e as mandavam ejectadas para dentro das muralhas.

Não posso deixar de pensar que estamos a fazer mais do mesmo ao manter reféns, por exemplo, pessoas como as filhas do presidente Putin, devido às atrocidades do pai - sempre putativas e recíprocas, porque a guerra, e esta em especial, se faz também de bluffs informativos (propaganda) que necessitam comprovação a posteriori.

Volvidos tantos séculos, com tantos gadgets e bons exemplos de mecanismos alternativos para dirimir diferendos (como, por exemplo, o recurso aos bens conhecidos tribunais arbitrais internacionais) parece impossível, mas mantemo-nos medievais. E assistimos a nova (desejada por quem?) corrida ao armamento.

Luis Miguel Novais

Post Scriptum: saudade já da minha colega e amiga Maria de Jesus Serra Lopes, mulher de inteligência fina e sagaz, "mulher de armas" (dos factos e razão, como se quer entre as pessoas de bem desta nave especial que nos transporta os corpos em trânsito de almas), com quem tive a sorte de conviver e privar, especialmente por ocasião do fabuloso congresso da União Internacional dos Advogados de 2003 em Lisboa, de cujas actas ficaram vários volumes em livro graças à sua presidência científica. R.I.P.