Riqueza, civilização e prosperidade nacional

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Portugal Amordaçado

No Verão de 2007, comprei e li o livro Portugal Amordaçado - depoimento sobre os anos do fascismo (1ª edição em Português pela Arcádia, Outubro de 1974), de Mário Soares. Seguindo o fio das coisas, este Portugal Adormecido foi primeiro publicado em 26 de junho de 2008 (aqui). Ambos os títulos referenciáveis ao mais longo fio que vem do Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins (de que possuo a 3ª edição, publicada em Abril de 1894). Ao contrário destes dois autores, porém, nunca fui socialista. Retomando a famosa formulação de Mário Soares, que se dizia "socialista, republicano e laico", sou independente, republicano e cristão. O que não me impede de, com eles e tantos mais, pugnarmos pelo mesmo: Portugal, ponto.

Vem isto a propósito do lançamento esta semana de parte da obra inédita de Mário Soares e, sobretudo, a publicação (pelo jornal Público de 13 de dezembro de 2021) de uma carta inédita que lhe dirigiu Francisco Sá Carneiro, em 20 de junho de 1972, e que não resisto a republicar, com a devida vénia:

"Meu prezado colega:

Estava a meio do seu livro (nota do Público: edição francesa de Portugal Amordaçado, editado em 1972; acrescento eu: em maio de 1972) quando tive a grata surpresa de receber, enviado pela casa editora, o exemplar que teve a amabilidade de enviar, com muito simpática dedicatória; agradeço-lhas sinceramente.

Apreciei muitíssimo o seu livro, testemunho lúcido e franco sobre a nossa situação inalterada; só fiquei com pena de não ter lido aquilo que, segundo se diz, teve de ser suprimido dado tratar-se de edição francesa. Foram novidades, tristes novidades, muitos dos factos narrados no seu corajoso livro, o que veio avivar-me a consciência da situação de alheamento e falta de informação em que somos forçados a viver.

Tenho pena que nunca nos tivéssemos encontrado, mas espero ter oportunidade de lhe apresentar pessoalmente os agradecimentos que aqui lhe renovo.

Creia-me com cumprimentos cordiais e sinceros,

Francisco Sá Carneiro".

Ambos foram meus colegas de profissão como advogados e manda a boa educação tratarmo-nos por aquilo que somos: colegas de tão útil quanto duro ofício. A amabilidade que exuda toca-me e parece-me exemplar. Tanto mais que já se encontravam então, muito antes de fundarem o PPD/PSD e o PS, em lados opostos da barricada.

Estávamos a quase dois anos do 25 de abril de 1974. Presidente da República era o Almirante Américo Tomás e Primeiro-ministro era Marcelo Caetano. Sá Carneiro era deputado na Assembleia Nacional do Estado Novo - onde pontificava na chamada Ala Liberal. Mário Soares encontrava-se exilado - fôra deportado por Salazar para a ilha de S. Tomé e, apesar da "Primavera Marcelista", então ainda impedido de regressar a Portugal continental.

Não se conheciam pessoalmente. Eram adversários. Mas tratavam-se com cordialidade, sinceridade e mútuo respeito. Por Portugal. Uma lição de atualidade política.

Luis Miguel Novais