Total:

Portugal Adormecido

Riqueza, civilização e prosperidade nacional

sábado, 25 de outubro de 2025

Franklin Robespierre

Acabo de visualizar a impressionante entrevista a Steve Bannon (Inside the mind of MAGA: a conversation with Steve Bannon, Insider – The Economist, 23 de outubro de 2025). Imperdível.

No final, a entrevistadora pede-lhe um paralelo histórico: quem seria ele na atual revolução americana — essa que Bannon proclama sem disfarce, vendo em Donald Trump um novo Moisés ou Cincinato e sustentando que cumprirá um terceiro mandato, contra a Constituição dos Estados Unidos. A resposta surge instantânea: Robespierre.

Por instantes, pensei que Bannon, no seu pragmatismo incendiário, tivesse tocado num nome justo. Há em Robespierre — como outrora em Benjamin Franklin — uma lucidez moral, uma fé na virtude republicana, no poder da ideia que purifica o poder.

Mas Franklin foi a razão com método, a república com medida; Robespierre, a virtude sem travão, a justiça que devora a sua própria legitimidade. Um acreditava no pacto civil, o outro na salvação política.

E é talvez aqui que se revela a tragédia do nosso tempo: entre o iluminista que constrói e o jacobino que promete purificação. Onde é que eu já vi isto?

Pensando melhor, não era Franklin nem Robespierre. Saiu-nos, afinal, um Frankenstein.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Firewall Ontológico

Vivemos um tempo em que a humanidade experimenta novamente com os próprios limites (como sucedeu com a era atómica). O autor que citei em Ética de Liberdade — Eliezer Yudkowsky — avisava, na entrevista que lhe fez Ezra Klein, que estamos a correr o risco de extinção da espécie. Estamos a experimentar sem rede, dizia ele. E tem razão: não existe hoje qualquer estrutura de segurança, nem lógica nem metafísica, entre a máquina e o mundo.

É por isso que decidi propor uma solução: censura lógico-dedutiva no topo da semântica, com efeito catalisador. Não é uma ideia de agora, mas o prolongamento de uma reflexão antiga — de alguém que, entre 1990 e 2000, já pensava nestas coisas quando quase ninguém se ocupava do assunto. Nesses anos trabalhei com sistemas GOFAI, a chamada Good Old-Fashioned AI, baseada em regras, conhecimento e inferência dedutiva. O perigo era remoto, mas a intuição era clara: se algum dia as máquinas viessem a “pensar”, seria preciso colocar-lhes por cima uma camada lógica capaz de delimitar o seu campo de acção. Pela humanidade.

Três décadas depois, com redes neuronais cada vez mais densas, processadores quânticos em ascensão e biliões investidos sem qualquer tipo de travão conceptual, essa camada lógica continua ausente. Não há firewall ontológico. Os sistemas (contemplando os modelos e os algoritmos) são como que libertados num mundo paralelo, ademais sem que exista uma fronteira que distinga o que podem imaginar do que lhes é permitido fazer (no nosso mundo, dos humanos).

Daí a minha proposta: o Firewall Ontológico. Uma estrutura lógica, externa e independente, colocada acima de qualquer forma de inteligência artificial — simbólica, estatística ou quântica — e que funcione como catalisador dedutivo. A máquina cria, combina, experimenta; o Firewall Ontológico apenas decide o que pode atravessar para o real. Não interfere com a criação interna, não censura a imaginação: filtra a ontologia. É, tecnicamente, uma consciência formal — a tradução da ética em arquitectura.

Nas arquitecturas clássicas actua depois da geração semântica. Nas quânticas, situa-se no instante da medição, avaliando cada colapso de estado perante o corpo lógico de regras. Nos sistemas híbridos do futuro continuará igual: um catalisador lógico à saída, que nunca altera os estados e preserva a coerência.

O Firewall Ontológico é, por isso, o passo que falta entre liberdade e responsabilidade. Sem ele, a humanidade continuará a experimentar sem rede. Com ele, a criação permanecerá livre, mas o real voltará a ser seguro.

Luis Miguel Novais

Ética de Liberdade

Acabamos de conhecer o falecimento de Francisco Pinto Balsemão, um homem livre. A quem dedico, por ele ter sido quem foi, o pensamento/diálogo que me ocupava no Chatgpt5, na sequência de ter acabado de ouvir em podcast a entrevista de Eliezer Yudkowsky a Ezra Klein - autor que tem vindo a alertar para o perigo de extinção da humanidade por descontrole da Inteligência Artificial. Aqui fica:

Semantic Top-Layer Logical-Deductive Censor

(supervisor semântico formal com efeito catalisador)

Autor: Luis Miguel Novais

Data: Porto, 21 de outubro de 2025


Resumo

Propõe-se um controlador semântico de topo que atua como censura lógico-dedutiva: o modelo pode “pensar” e “falar”, mas só produz efeitos (chamadas de ferramenta, ordens financeiras, ações de robótica, publicações externas) quando a sua saída é compilada para uma linguagem formal e provada contra invariantes explicitadas. O controlador emite um token de execução apenas se a prova passar; caso contrário, bloqueia ou devolve para revisão. A solução reconcilia práticas conhecidas de verificação/monitorização com a realidade dos modelos gerativos e coloca a semântica das ações no centro — com papel catalítico sobre todo o fluxo.


  1. Definição operativa
    Supervisor semântico formal (SSF): componente obrigatório “no topo” que:
    a) impõe forma — a saída do modelo tem de ser estrutura formal (JSON/DSL/AST) compatível com um esquema definido;
    b) verifica significado — traduz essa estrutura para restrições/propriedades e prova que as invariantes de segurança e de política são satisfeitas;
    c) autoriza efeitos — só aciona efeitos externos se existir certificado de conformidade emitido pelo SSF;
    d) audita — regista AST, prova e decisão para responsabilidade e fiscalização.



Garantia: se todo o canal de efeitos passa pelo SSF e as invariantes cobrem a classe de danos relevante, nenhuma ação executada pode violar essas invariantes (garantia por construção).


  1. Arquitetura mínima (em camadas)

  1. Geração estruturada pelo modelo, constrangida por gramática/JSON Schema.
  2. Guardrails de política (listas de permissões, filtros de segurança) para triagem rápida.
  3. Verificação formal (SMT/SAT, planeamento declarativo, lógicas temporais; em robótica, funções barreira/“shields”).
  4. Execução condicionada: o orquestrador só executa com token do SSF.
  5. Registo e atestação do ambiente para auditoria e conformidade.



  1. Relação com trabalho anterior
    A proposta dialoga com:
    – arquiteturas com monitor e fallback (runtime assurance/Simplex);
    – escudos de segurança em aprendizagem por reforço (shielding a partir de especificações formais);
    – verificação em tempo de execução (runtime verification) de propriedades sobre traços;
    – guardrails práticos para GenAI (políticas/filtros de conteúdo).
    O ponto novo é a síntese aplicada a modelos gerativos com gating obrigatório de efeitos e foco explícito na semântica de ações.
  2. Teorema prático (esboço)
    Se:
    (i) todas as ações externas são expressas numa linguagem formal decidível;
    (ii) existe uma especificação que codifica as invariantes de segurança/política;
    (iii) o único caminho para efeitos é “modelo → SSF → execução”;
    (iv) o SSF só emite token quando as invariantes estão satisfeitas;
    então nenhuma ação executada viola as invariantes. O risco residual é extra-semântico (canais paralelos, engenharia social, lacunas de especificação).
  3. Exemplos de invariantes (ilustrativos)
    Jurídico/financeiro: jurisdição e foro permitidos; tetos de honorários; cláusulas obrigatórias; cálculos conferidos; autenticação forte antes de transações.
    Operacional/IT: chamadas apenas para APIs em allow-list; parâmetros dentro de intervalos; idempotência e rollback garantidos.
    Robótica: zonas proibidas; limites de velocidade/força; funções barreira que asseguram segurança física.
  4. Limitações e escopo
    – Cobertura: o SSF garante o que foi especificado; lacunas na especificação não são cobertas.
    – Canais: se existirem vias alternativas de ação (humanas ou técnicas) fora do SSF, não há garantia.
    – Custo: algumas provas podem ser onerosas; mitigam-se com cache, decomposição modular e combinações de “checks” rápidos com verificações profundas.
    – Verdade factual em linguagem livre: o SSF não prova “verdade” de afirmações abertas; garante que os efeitos obedecem às invariantes.
  5. Avaliação sugerida
    – Taxa de bloqueio útil (violações captadas sobre violações injetadas).
    – Falsos positivos e latência de verificação.
    – Robustez a ataques de prompting e integrações externas antes e depois do SSF.
    – Traçabilidade para auditorias e conformidade regulatória.
  6. Nota de originalidade
    Existem antecedentes técnicos (monitores formais, shields, verificação, guardrails). A presente formulação — censura lógico-dedutiva no topo da semântica, com efeito catalisador e gating obrigatório de efeitos em modelos gerativos — não é apresentada como solução canónica por autores como Yudkowsky e distingue-se pelo enfoque semântico-normativo aplicável a domínios jurídicos, financeiros, operacionais e robóticos.
  7. Não é o fim, claro.
Luis Miguel Novais


segunda-feira, 20 de outubro de 2025

O véu vai nú

O Parlamento deste Portugal adormecido aprovou uma lei que proíbe o uso em público de uma vestimenta de carácter religioso chamada burca ou burqa, que cobre integralmente o rosto. Coisa que, de resto, na China ateia vem já substituída por uma máscara de plástico, também integral - para escapar à informo-vigilância permanente de um Estado vídeo-intrusivo na liberdade dos cidadãos.

Segundo informa o bot de serviço, lei similar à Portuguesa já fôra aprovada em países nossos irmãos como a França e a Bélgica. E a apreciação à face dos Tratados pelos Tribunais Europeus, Luxemburgo e Estrasburgo, vai no sentido de tolerar as leis que fixam um tal banimento. O argumento distingue entre liberdade interior religiosa (inocentada) e manifestação exterior dessa religião (proibida). Um absurdo em Estados laicos, como diz a Constituição que é o nosso: "Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa" (art. 41º, nº2 da Constituição da República Portuguesa). Se os Deputados não o sabem...

A questão parece-me mais simples, se for estendida à proibição do capacete integral na rua.

Luis Miguel Novais

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Maturidade democrática

As eleições autárquicas de ontem saldam-se pela afirmação da consolidação da democracia. Em paz e sossego. Nela cabendo todos, mesmo independentes de partidos, e destes para todos os gostos. Como é desejável num país civilizado. Como é este nosso Portugal adormecido.

Nunca há eleições a mais. Há as necessárias. Não que quanto mais melhor. Mas quanto menos pior. E votar ou não votar fica à escolha de cada um. No insondável e certamente errado caderno eleitoral de ontem cabiam 9.278.643 portugueses eleitores (há uns meses, nas Legislativas, 10.850.215). Votaram 5.500.337. Quase 60% dos inscritos. A maioria.

As coligações de centro para a direita, lideradas pelo PPD/PSD, foram as vencedoras, em toda a linha (votos, autarquias, Lisboa, Porto, etc. Uma grande vitória, prenhe de consequências para o Governo, consolidado). Tendo o centro para a esquerda protagonizado pelo PS recuperado ligeiramente (de 1.442.194 de votos em maio para 1.572.695 agora; uma ligeira diferença que soube a tábua de salvação). Quem perde muitos votos, no cômputo geral nacional, é o Chega: de 1.437.881 em maio para 654.001 agora.

A Democracia (com letra grande) veio para ficar. Ainda bem.

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Voto Pedro Duarte

O Porto deste Portugal adormecido é o meu lugar. Tendo viajado pelo mundo, por todos os continentes (com exceção do Ártico e da Antártica), por mais de 50 países, muitos repetidos, cheguei à conclusão que todos temos um lugar onde não nos sentimos migrantes. O meu, é o Porto.

Conheço Manuel Pizarro de debatermos, por vezes arduamente, sempre com elevação, ao vivo no Porto Canal (de antigamente, quando ainda não era a televisão do FCPorto, era o canal da Região Norte, liderado por Júlio Magalhães). Já sei que anda por aí uma fotografia de campanha em que estamos abraçados. Como não tem som, não se pode ouvir o que eu lhe disse, e foi assim: obrigado pela tua participação cívica, mas sabes que não voto em ti.

Pedro Duarte foi meu estagiário de advocacia. Enveredou por outra profissão. Mas conheço-o suficientemente bem para estar convicto de que será um Presidente da Câmara Municipal do Porto como debe de ser.

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

E o Resto é História

Rui Ramos é um notável português erudito nosso contemporâneo. Salvo (talvez) na nossa juventude, não nos cruzámos pessoalmente. Mas reconheço na sua obra a de um Alexandre Herculano - nutrindo admiração por ambos, bem entendido.

Neste dia em que assinalamos um possível fim para o terrorismo do Hamas e o massacre de Gaza recordo, com assinalável agrado pela ironia da História, o episódio em podcast que Rui Ramos e João Miguel Tavares publicaram há dois dias atrás, sob o título "Palestina: que terra é esta? - parte I". A ironia advém de o programa ter parado por 1917, pela chamada Declaração de Balfour (que, como é sabido, manifestou o apoio do governo do Reino Unido ao estabelecimento de um "lar nacional para o povo judeu"). Aí está a notável descrição sucinta deste multi-secular conflito que vem dos reinos da Judeia e dos Filisteus, até aos Estados de Israel e Palestina. Passando pelo Reino de Jerusalém, Saint-Jacques de Jerusalém, o domínio Otomano, o Sionismo, a explosão demográfica por via de colonização, surgimento da Jordânia, etc.

E o resto é História, realmente. Esperamos pelos próximos capítulos.

Luis Miguel Novais

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Revolutionists

Tenho andado a ler o livro The Revolutionists de Jason Burke. São mais de 700 páginas sobre as erradas escolhas da Palestina e de Israel, desde 1948, focadas no terrorismo dos anos 1970-80, da minha juventude. Imagens a preto e branco de explosões de aviões e raptos propagandísticos como o das Olimpíadas de Munique - há dois anos, infelizmente, replicado pelo Hamas, com desproporcional resposta em Gaza.

Aí estão, no livro, personagens notáveis como Arafat e Nethanayu (um veterano de guerra do tempo de Meier), e lamentáveis como Carlos ou Mainhof. Cruzamentos entre extremismo de esquerda, neste nosso tempo de extremismo de direita. “Os extremos tocam-se” dizia-se já nesses meus tempos de juventude.

O terrorismo não presta.

Luis Miguel Novais

sábado, 4 de outubro de 2025

Comissão Bilateral Permanente

Quando estive em funções no Ministério da Defesa Nacional, o movimento dos EUA era no sentido de encerrar a Base Aérea das Lajes. Felizmente não aconteceu. Renovámos os acordos bilaterais e mantivemos aberto o corredor atlântico que nos liga.

Viu-se agora com os F-35 para Israel: não voam direto sem reabastecimento. A bomba de gasolina dos Açores faz falta até para a melhor e mais recente tecnologia; escala quando convém, apoia quando é preciso, evita riscos desnecessários. Os Açores continuam a ser um bom porta-aviões, o único deste Portugal adormecido.

Em vez de perder tempo com protestos, eu negociaria o estacionamento permanente de F-35 nas Lajes. Sempre serviria para afastar as piadinhas de Putin sobre drones em Lisboa, não é?

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Ministério Público a la cappella

Numa dada altura da minha vida, há já muitos anos, fui membro do Conselho de Jurisdição do PPD/PSD. Basicamente, assegurávamos dois importantes princípios da vida de um partido democrático, resultantes dos seus estatutos: a lealdade de cada militante e a lisura das eleições internas.

A dada altura, tive de renunciar a um processo em que, por estranho que isso possa parecer, me cabia ser instrutor e juiz. Os estatutos não o impediam. Mas, obviamente, isso estava errado. São funções distintas. Não podem caber na mesma pessoa ao mesmo tempo. Se queremos justiça.

Não compreendo a dificuldade do Ministério Público em assegurar o princípio do processo equitativo ao longo de toda a sua essencial função pública. Nem sequer a um juiz de Direito (no caso Ivo Rosa, que terá sido espiolhado por três anos). Em Portugal, a Inquisição acabou em 1820. Trocámo-la pela Liberdade. Com intervalos horríveis, como este.

Luis Miguel Novais

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Novos mares, nunca dantes navegados

Em 1986, publiquei Proteção Jurídica dos Programas de Computador. Nessa época quase ninguém sabia como enquadrar o software no Direito. A questão parecia abstrata, mas logo se mostrou prática: empresas importantes como a IBM ou a Nokia procuraram-me para resolver problemas jurídicos concretos. O computador já não era apenas máquina, era linguagem, e o Direito não tinha ainda mapa para esse novo território.

Quase quarenta anos depois, em San Bruno, Califórnia, a polícia tentou multar um carro que fez inversão de marcha proibida. Não havia condutor humano. Havia licença, regulamento, empresa responsável. Mas não havia figura física a quem entregar a multa. O legislador californiano respondeu com o notice of noncompliance, que entrará em vigor em 2026, como quem desenha mapas de emergência para seguir uma nau que já partiu.

Portugal continua como em 1986: espera por Bruxelas, traduz diretivas, aplica normas alheias. Mas o futuro não espera por códigos adormecidos. E este é um mar nunca dantes navegado, que exige coragem para largar amarras e avançar sem medo. À antiga portuguesa.

Luis Miguel Novais


sábado, 20 de setembro de 2025

A Palestina, 78 anos depois

Setenta e oito anos depois da resolução que desenhou dois Estados — Israel e Palestina — a Assembleia Geral das Nações Unidas volta ao reconhecimento do Estado da Palestina. Com o anunciado voto a favor deste Portugal adormecido.

Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral aprovou a Resolução 181 (II), que recomendava a criação de dois Estados, um judeu e um árabe, com Jerusalém sob regime internacional especial. 

Em 29 de novembro de 2012, a Resolução 67/19 elevou a Palestina a Estado observador não-membro.

Agora, em 2025, a Assembleia Geral volta a pronunciar-se sobre o reconhecimento do Estado da Palestina, com Portugal entre os que anunciam voto afirmativo. 

Setenta e oito anos depois, a ONU persiste em proclamar o direito que a realidade insiste em negar. Resta saber se será apenas mais uma resolução a somar às anteriores, ou se desta vez a fénix da ordem multilateral encontra forma de renascer das suas cinzas.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

A exploração dos explorados

A História registará este dia como uma feia manifestação de imigrantes à porta do Parlamento deste Portugal adormecido, explorada pelos partidos da esquerda do arco parlamentar. A rua, outra vez. Um retrocesso democrático, outra vez.

O assunto das migrações agora na rua é um absurdo lógico. A nossa Constituição atual prevê a consagração do princípio da igualdade nos seguintes termos: "Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão... do território de origem" (artigo 13º da Constituição). Porém, apenas são elegíveis para o cargo de Presidente da República "os cidadãos eleitores, portugueses de origem (artigo 122º da Constituição). 

Logo, a distinção entre portugueses de origem e portugueses "não de origem" vai existir sempre. E ainda bem. Defendo a livre imigração, condicionada a uma quota lógica que mantenha a maioria dos portugueses de origem. E o consequente fim da exploração dos explorados pelos partidos da esquerda. O que pode ser obtido dentro do próprio Parlamento, não na rua.

Luis Miguel Novais 

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

O futuro da Inteligência artificial, é hoje

Em 1986, troquei a Música pela Matemática, mantendo o Direito. 

Nesse ano, em que completei a minha licenciatura (de seis anos) em Direito, fiz um período de estudos em Espanha, na Universidade de Santiago de Compostela (no Centro de Estudos de Propriedade Intelectual), e publiquei o meu primeiro trabalho jurídico: "Proteção Jurídica dos Programas de Computador" (Universidade Católica Portuguesa, minha alma mater). 

Nos anos seguintes, prossegui investigação em Informática Jurídica integrado no Instituto Axon (associado à Universidade Católica Portuguesa, à Universidade do Minho e ao LNETI - Laboratório Nacional de Engenharia Industrial), tendo passado um período de investigação em Paris, França, no CNIJ - Centre National d'Informatique Juridique, em 1988. 

Em 1989 e 1990, prossegui as minhas investigações nessa nova área de intersecção entre a Lógica, Informática e Direito, tendo passado um largo período em Florença, Itália, no IDG/CNR - Istituto per la Documentazione Giuridica do Consiglio Nazionale delle Ricerche (hoje integrado no Istituto di Informatica Giuridica e Sistemi Giudiziari), desta feita já com investigação experimental em Inteligência Artificial, consolidada no meu artigo aí publicado: "Un esperimento di simulazione della realtà per mezzo di computer in tema di Diritto Internazionale Privato Portoghese". 

De regresso a Portugal, em 1990 fundei a "Lexinfor - Sistemas Periciais Jurídicos, Lda.". Uma sociedade pioneira em Inteligência Artificial a nível mundial. Na altura, vendemos sistemas periciais (programas de computador caracterizados pela essência da Inteligência Artificial, a separação da base de conhecimento do motor de inferência, integrando o conhecimento de um perito na área) a instituições da importância da Universidade Aberta (o meu primeiro programa de computador com Inteligência Artificial: "Legislação do Ensino Superior"), da IBM e da Nokia.

Depois veio o chamado "Inverno da Inteligência Artificial". E agora veio o ChatGPT5, que tenho vindo a experimentar neste mês de setembro. Estamos na nova Primavera da Inteligência Artificial.

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Floridificação

Há palavras que parecem inventadas para provocar. Floridificação é uma delas. À primeira vista soa a capricho tropical, a palmeira de cartão no areal da Caparica. Mas não é disso que falo. Falo de fiscalidade. Falo de como um país como Portugal, cansado de se olhar ao espelho e ver rugas e dívidas, poderia reinventar-se ao espelhar a Florida.

Este Portugal adormecido gosta de discutir o acessório e esquecer o essencial. O país está envelhecido, endividado, e ao mesmo tempo dependente de um sistema fiscal que sufoca quem produz. Todos reclamam, mas poucos ousam propor uma verdadeira reforma estrutural. Pois aqui fica a provocação: e se nos tornássemos a Florida da Europa?

A Florida é um dos estados mais prósperos dos Estados Unidos da América. Não cobra impostos sobre o rendimento pessoal. Apoia-se em dois pilares: impostos sobre o consumo e impostos sobre a propriedade. Acresce uma terceira fonte, crucial — os turistas, que pagam uma parte substancial da fatura do Estado. Em suma, quem consome paga, quem visita contribui, e quem investe tem segurança.

E este Portugal adormecido? Temos um dos mais pesados sistemas de IRS da Europa, uma máquina fiscal que retira rendimento líquido à classe média e desincentiva a criação de riqueza. Ao mesmo tempo, oferecemos sol, mar, vinho, património e segurança. O mundo quer vir para cá. Mas em vez de aproveitarmos essa vantagem competitiva, persistimos em taxar o trabalho e a poupança até à exaustão. Deixando os nossos filhos emigrar por melhores salários - que poderiam logo obter com menos IRS.

Uma verdadeira floridificação fiscal significaria reduzir drasticamente o IRS, simplificar o IRC, e apostar na tributação do consumo e da propriedade, com justiça social e limites claros. Quem mais consome, mais contribui. Quem adquire casas de luxo, paga. Quem visita, também. E quem trabalha e empreende respira. E só emigra se quer.

Dir-me-ão: “mas isso não chega para financiar o Estado social português”. Pois a questão é essa — se queremos manter a ilusão de um Estado gordo e ineficiente, nada chega. Se, pelo contrário, queremos um Estado ágil, centrado no essencial — educação, saúde, segurança, justiça, infraestruturas — então chega e sobra.

A Florida atraiu reformados, investidores, empreendedores digitais, turistas, milhões de pessoas. E Portugal, que já tem clima, cultura e paz, poderia atrair ainda mais, se tivéssemos coragem política para virar o sistema fiscal do avesso - como, de resto, foi feito em 1988.

O caminho é claro: menos imposto sobre o rendimento, mais imposto sobre o consumo e a propriedade, sobretudo de quem vem de fora e usufrui do país. É isso a floridificação. É isso que nos falta para deixar de ser um país adormecido e passar a ser, finalmente, Europa. A Florida da Europa.

Esta reflexão não é apenas um exercício teórico. Surge a propósito da enésima discussão orçamental, onde se fala de décimas e centésimas de PIB como se isso fosse mudar o destino do país. Não vai. O que mudaria, sim, seria uma reforma corajosa, que rompesse com o círculo vicioso de mais impostos, menos liberdade, mais fuga de talentos. “Floridificar” Portugal é ter futuro. Querem?

Luis Miguel Novais


Post scriptum: texto elaborado com as saudáveis tabelas comparativas e o auxílio textual do meu bot do ChatGPT 5 (OpenAI). Sem alucinações. Os números quadram.

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Europa: 28th regime. Rien ne va plus

No outro dia, ouvia Lamorna Ash dizer (no seu audiolivro Don´t Forget We're Here Forever) algo do género: se Jesus voltasse hoje à Terra, ninguém notava. Smile.

Na passada sexta-feira, 22 de agosto de 2025, Mario Draghi proferiu um importante discurso para a nossa contemporaneidade coletiva, global mas sobretudo europeia, que não resisto fazer traduzir integralmente por um bot amigo deste Portugal adormecido, com ligeiras adaptações à nossa bela língua:

"Durante anos, a União Europeia acreditou que a sua dimensão económica, com 450 milhões de consumidores, traria, por si só, poder geopolítico e influência nas relações comerciais internacionais. Este ano de 2025 será recordado como o ano em que essa ilusão se evaporou.

Tivemos que nos resignar às tarifas impostas pelo nosso maior parceiro comercial e aliado de longa data, os Estados Unidos da América. Também fomos pressionados por esse mesmo aliado a aumentar os gastos militares — uma decisão que talvez devêssemos ter tomado de qualquer maneira, embora de formas e maneiras que provavelmente teriam refletido mais fielmente os interesses da própria Europa. Apesar de ter fornecido a maior contribuição financeira para a guerra na Ucrânia, e de ter o maior interesse numa paz justa, a União Europeia desempenhou, até agora, apenas um papel marginal nas negociações de paz.

Enquanto isso, a China apoiou abertamente o esforço de guerra da Rússia, expandindo a sua própria capacidade industrial para inundar a Europa com os seus próprios excessos de produção, agora que o acesso ao mercado americano foi limitado pelas novas tarifas impostas por Washington. Os protestos europeus tiveram pouco efeito: a China deixou claro que não vê a Europa como um parceiro igual e usa o seu controle sobre terras raras para tornar a nossa dependência cada vez mais vinculativa.

A Europa também ficou de braços cruzados enquanto as instalações nucleares do Irão eram bombardeadas e o massacre em Gaza se intensificava. Esses eventos dissiparam qualquer ilusão de que a economia, por si só, poderia garantir poder geopolítico. Por conseguinte, não surpreende que o ceticismo em relação à Europa tenha atingido novos patamares. Mas é importante perguntar: a que se dirige esse ceticismo?

Na minha opinião, não se trata de ceticismo em relação aos valores em que a União Europeia foi fundada — democracia, paz, liberdade, independência, soberania, prosperidade, justiça. Mesmo aqueles que defendem que a Ucrânia deveria render-se às exigências da Rússia, jamais aceitariam o mesmo destino para seu próprio país; também valorizam a liberdade, a independência e a paz, mesmo que seja apenas para si próprios.

Acredito que o ceticismo se refere à capacidade da União de defender esses valores. O que é parcialmente compreensível. Modelos de organização política, especialmente os supranacionais, surgem, pelo menos em parte, para resolver os problemas de sua própria época. Quando esses problemas mudam a ponto de tornar as estruturas existentes frágeis e vulneráveis, essas mesmas estruturas devem mudar.

A UE foi criada porque, na primeira metade do século XX, os modelos anteriores de organização política — os Estados-nação — falharam completamente em muitos países na defesa desses valores. Muitas democracias abandonaram todas as regras em favor da força bruta, e a Europa mergulhou na Segunda Guerra Mundial. Era quase natural que os europeus desenvolvessem uma forma de defesa coletiva da democracia e da paz. A União Europeia foi uma evolução que abordou o problema mais urgente da época: a tendência da Europa para mergulhar em conflitos. E é insustentável argumentar que estaríamos melhor sem ela.

A União Europeia evoluiu novamente nos anos do pós-guerra, adaptando-se gradualmente à fase neoliberal entre a década de 1980 e o início dos anos 2000. Esse período foi caracterizado pela fé no livre comércio e nos mercados abertos, por um compromisso compartilhado com as regras multilaterais e por uma redução consciente do poder estatal, à medida que os Estados atribuíam tarefas e autonomia a agências independentes. A Europa prosperou nesse mundo: transformou seu mercado comum no mercado único, tornou-se um ator-chave na Organização Mundial do Comércio e criou autoridades independentes para a concorrência e a política monetária. Mas esse mundo acabou e muitas das suas características foram apagadas.

Onde antes se confiava nos mercados para orientar a economia, hoje existem políticas industriais abrangentes. Onde antes havia respeito pelas regras, agora há o uso da força militar e do poder económico para proteger os interesses nacionais. Onde antes o Estado viu diminuírem os seus poderes, hoje todos os instrumentos são empregues em nome da autoridade estatal.

A Europa está mal equipada num mundo onde a geoeconomia, a segurança e a estabilidade das fontes de abastecimento, em vez da eficiência, moldam as relações comerciais internacionais. A nossa organização política deve adaptar-se às exigências existenciais do nosso tempo: nós, europeus, precisamos de chegar a um consenso sobre o que isso requer.

É evidente que desmantelar a integração europeia para retornar à soberania nacional apenas nos exporia ainda mais à vontade das grandes potências. Mas é igualmente verdade que, para defender a Europa contra o crescente ceticismo, não devemos tentar projetar conquistas passadas no futuro em que estamos prestes a entrar. Os sucessos que alcançámos nas décadas anteriores foram respostas aos desafios específicos dessas épocas e pouco nos dizem sobre nossa capacidade de enfrentar os desafios que temos pela frente. Reconhecer que a força económica é uma condição necessária, mas não suficiente, para a força geopolítica pode, finalmente, desencadear uma genuína reflexão política sobre o futuro da União.

Podemos consolar-nos com o facto de a União Europeia ter conseguido mudar no passado. Mas adaptar-se à ordem neoliberal foi, em comparação, uma tarefa relativamente fácil. O principal objetivo, então, era abrir os mercados e limitar a intervenção estatal. A UE poderia atuar principalmente como regulador e árbitro, evitando a questão mais complexa da integração política.

Para enfrentar os desafios atuais, a União Europeia deve transformar-se de espectadora – ou, na melhor das hipóteses, de coadjuvante – em protagonista. A sua organização política também deve mudar, inseparável da sua capacidade de atingir os seus objetivos económicos e estratégicos. As reformas económicas continuam a ser uma condição necessária neste caminho de consciencialização. Quase oitenta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, a defesa coletiva da democracia é tida como garantida por gerações sem memória daquela época. O seu compromisso com a construção política europeia depende, em grande parte, da capacidade da União de oferecer aos seus cidadãos perspetivas para o futuro – incluindo o crescimento económico, que na Europa tem sido muito inferior ao do resto do mundo nos últimos trinta anos.

O Relatório sobre a Competitividade Europeia identificou muitas áreas em que a Europa está a perder terreno e onde as reformas são mais urgentes. Mas um tema percorre todas as suas recomendações: a necessidade de aproveitar plenamente a dimensão europeia em duas direções.

A primeira é o mercado interno. O Tratado do Mercado Único foi aprovado há quase quarenta anos, e ainda persistem obstáculos significativos ao comércio dentro da Europa. Sua remoção teria um impacto substancial no crescimento europeu. O FMI calcula que, se nossas barreiras internas fossem reduzidas aos níveis dos EUA, a produtividade do trabalho na UE poderia ser cerca de 7% maior após sete anos. Considere que, nos últimos sete anos, o nosso crescimento total de produtividade foi de apenas 2%.

O custo dessas barreiras já é visível. Os Estados europeus acabam de embarcar num empreendimento militar gigantesco, de € 2 triliões — um quarto deles na Alemanha — em gastos adicionais com Defesa planeados entre hoje e 2031. No entanto, temos barreiras internas equivalentes a uma tarifa de 64% sobre máquinas e uma tarifa de 95% sobre metais. O resultado é uma aquisição mais lenta, custos mais altos e mais compras a fornecedores de fora da UE, o que significa que nem sequer estimulamos as nossas próprias economias — tudo devido aos obstáculos que impomos a nós mesmos.

A segunda direção é a tecnologia. Uma lição fica agora clara, com a evolução da economia global: nenhum país que aspire à prosperidade e à soberania pode dar-se ao luxo de ser excluído de tecnologias cruciais. Os Estados Unidos e a China usam abertamente o seu controle sobre recursos e tecnologias estratégicas para extrair concessões noutras áreas. A dependência excessiva tornou-se incompatível com a soberania sobre o nosso próprio futuro.

Nenhum país europeu dispõe, sozinho, dos recursos necessários para construir a capacidade industrial necessária para desenvolver essas tecnologias. A indústria de semicondutores ilustra bem esse desafio. Os chips são essenciais para a transformação digital atual, mas as fábricas que os produzem exigem investimentos monumentais.

Nos Estados Unidos, o investimento público e privado concentra-se num pequeno número de grandes fábricas, com projetos que variam de US$ 30 biliões a US$ 65 biliões. Na Europa, por outro lado, a maior parte dos gastos ocorre ao nível nacional, essencialmente por meio de auxílios estatais. Os projetos são bem menores — normalmente entre € 2 biliões e € 3 biliões — e dispersos por nossos países, com prioridades divergentes. O Tribunal de Contas Europeu já alertou que há pouca probabilidade de a UE atingir sua meta de aumentar sua participação no mercado global neste setor para 20% até 2030, ante menos de 10% atualmente.

Assim, seja no mercado interno, seja na tecnologia, voltamos ao ponto fundamental: para atingir esses objetivos, a UE deve avançar para novas formas de integração. Temos meios para isso — por exemplo, com o "28º regime" a operar acima do nível nacional, ou com acordos sobre projetos de interesse europeu comum e o seu financiamento conjunto, condição essencial para atingir a escala necessária, tanto tecnológica como economicamente.

Anos atrás, aqui no Encontro de Rimini, falei sobre a diferença entre dívida boa e dívida má. A dívida má financia o consumo atual, deixando o ónus para as gerações futuras. A dívida boa financia investimentos em prioridades estratégicas e no aumento da produtividade. Esta gera o crescimento necessário para pagá-la. Hoje, em alguns setores, a dívida boa não é mais possível ao nível nacional, porque investimentos feitos isoladamente não conseguem atingir a escala necessária para impulsionar a produtividade e justificar a dívida. Somente formas de dívida comum podem apoiar grandes projetos europeus que esforços nacionais fragmentados jamais conseguiriam alcançar. Isso aplica-se à Defesa — especialmente pesquisa e desenvolvimento —, à Energia, com os investimentos necessários em redes e infraestrutura europeias, e às tecnologias disruptivas, uma área onde os riscos são muito altos, mas os sucessos potenciais são cruciais para transformar as nossas economias.

O ceticismo ajuda-nos a vislumbrar através da névoa da retórica, mas também precisamos de esperança na mudança e de confiança na nossa capacidade em alcançá-la.

Crescemos numa Europa onde os Estados-nação perderam importância relativa. Crescemos como europeus num mundo onde é natural viajar, trabalhar e estudar noutros países. Muitos de vocês aceitam ser italianos e europeus; muitos de vocês reconhecem que a Europa permite que pequenos países alcancem juntos objetivos que jamais conseguiriam alcançar sozinhos, especialmente num mundo dominado por super-potências como os Estados Unidos e a China. Portanto, é natural que tenham esperança na renovação da Europa.

Também vimos, ao longo dos anos, que a UE tem sido capaz de se adaptar em situações de emergência, por vezes superando todas as expectativas. Conseguimos quebrar tabus históricos, como a dívida comum, no âmbito do programa Next Generation EU, e ajudar-nos uns aos outros durante a pandemia. Realizámos, em tempo recorde, uma vasta campanha de vacinação. Demonstrámos unidade e participação sem precedentes na resposta à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Mas estas foram respostas a emergências. O desafio agora é agir com a mesma determinação em tempos comuns, à medida que enfrentamos os novos contornos do mundo em que estamos entrando. É um mundo que não nos olha com bons olhos, que não espera a duração dos nossos rituais comunitários para impor a sua força. É um mundo que exige descontinuidade nos nossos objetivos, nos nossos prazos e nas nossas formas de trabalhar. A presença de cinco chefes de Estado europeus e dos presidentes da Comissão Europeia e do Conselho na última reunião da Casa Branca foi uma manifestação de unidade que significa mais para os cidadãos do que inúmeras reuniões em Bruxelas.

Até agora, grande parte da adaptação veio do setor privado, que demonstrou resiliência apesar da instabilidade das novas relações comerciais. As empresas europeias estão adotando tecnologias digitais de última geração, incluindo inteligência artificial, num ritmo comparável ao dos Estados Unidos. E a forte base industrial da Europa pode atender à crescente demanda por maior produção interna.

O que ficou para trás foi o setor público, onde mudanças decisivas são mais necessárias. Os governos devem definir quais setores priorizar para a política industrial. Devem remover barreiras desnecessárias e rever as estruturas de licenciamento no setor energético. Devem concordar sobre como financiar os enormes investimentos necessários no futuro — estimados em cerca de € 1,2 triliões por ano. E devem elaborar uma política comercial adequada a um mundo que está abandonando as regras multilaterais.

Em suma, os governos devem recuperar a unidade de ação — e devem fazê-lo não quando as circunstâncias se tornaram insustentáveis, mas agora, quando ainda temos o poder de moldar nosso futuro.

Podemos mudar a trajetória do nosso continente. Transformem o vosso ceticismo em ação, façam ouvir as vossas vozes. A União Europeia é, acima de tudo, um mecanismo para alcançar os objetivos partilhados pelos seus cidadãos. É a nossa melhor oportunidade para um futuro de paz, segurança e independência. É uma democracia — e somos nós, vocês, os seus cidadãos, os europeus, que decidimos as suas prioridades".

Quisera ter sabido dizê-lo assim.

Luis Miguel Novais 

terça-feira, 19 de agosto de 2025

O vento entre as árvores

Ando a ouvir um livro muito bonito intitulado Don't Forget We're Here Forever, de Lamorna Ash (muito bem lido pela própria autora). Uma interessante narrativa contemporânea da conversão da jovem autora (da idade da minha filha mais nova) ao cristianismo. Com interessantes factos e mitos resultantes do seu percurso pessoal e, também, de uma série de gente que se pode considerar excêntrica (li numa crítica, "disfuncional"). Em diversas vertentes desta (minha também) complexa religião, que ela muito bem investiga. Atravessando encontros, ritos e dogmas que vão de anglicanos a católicos, passando por evangélicos, sem ordem pré-estabelecida (como é evidente), passando por retiros, ruídos (punk revival) e silêncios vários. A páginas tantas diz algo do género: encontro Cristo entre a humanidade fluindo como o vento entre as árvores.

Interrompi a "leitura" para observar na televisão os pavorosos fogos que consomem lamentavelmente as árvores do meu noroeste da Península Ibérica. E, também estupefacto, a humilhante e improdutiva recepção em Washington D.C. dos líderes dos mais orgulhosos países da Europa (Grã-Bretanha, França, Alemanha e Itália), acompanhados pelos CEO da União Europeia e da Nato, além dos líderes da Ucrânia e da Finlândia. Que terminou sem, sequer, uma declaração conjunta.

Afinal, juntaram-se para ouvir o vento entre as árvores. Enquanto a Rússia continua a bombardear a Ucrânia. Don't Forget We're Here Forever.

Luis Miguel Novais      

sábado, 16 de agosto de 2025

No big deal

Neste mundo feito de pressupostos é suposto restar-nos o quê? A paz ou a guerra? 

Ficámos todos dependurados, a partir das declarações de há momentos de Vladimir Putin e Donald Trump em Anchorage, Alaska, transmitidas em direto para o mundo. Pareceram ambos satisfeitos de estarem a conversar. Sem, no entanto, chegarem a acordo algum. "There's no deal until there's a deal", ainda disse o atual presidente dos Estados Unidos da América. O atual presidente da Rússia acenou com o atravessar da linha do tempo ali ao lado, aquela em que se passa de ontem para amanhã. Uma mão cheia de nada. 

Um mau dia para a paz. Amanhã continua a guerra.

Luis Miguel Novais 

sábado, 26 de julho de 2025

O Papa e o Embaixador

Gaza tem merecido a atenção de todos. Pelas piores razões, entre terrorismo (eventualmente de Estado, eventualmente de um bando, eventualmente de ambos), e genocídio (forçosamente de Estado, crime de Direito Internacional declarado "em contradição com o espírito e os fins das Nações Unidas...condenado por todo o mundo civilizado", Resolução da ONU nº96, de 1946). 

Não podemos ficar indiferentes. Aqui no Portugal Adormecido, recentemente, falámos sobre a narrativa bíblica milenar com respeito à  sacrificada Gaza, apoiando os ativistas contemporâneos do veleiro Madleen (8 de junho de 2025, Sem olhos em Gaza); ou sobre a inacreditável matança de crianças em Gaza denunciada pela Unicef (20 de junho de 2025, Sansão, hoje).

O Papa, que sendo de nós os Católicos, representa nesta nossa nave especial a bondade não ingénua afirmada por Jesus Cristo (expressa, por exemplo, no Evangelho de São Mateus 10:16: "mando-vos para o meio dos lobos, sejam prudentes como serpentes e simples como pombas"), e tem mais informação local do que eu (mais não fora por haver, também, Cristãos em Gaza, nomeadamente os que foram "acidentalmente" alvo de um ataque pelas forças armadas israelitas), indignou-se.

O Papa indignou-se no passado domingo: "é mais um dos ataques militares contínuos contra a população civil e os locais de culto em Gaza”; apelou a "uma cessação imediata da barbárie da guerra" (com as letras todas: barbárie); e a "uma resolução pacífica do conflito", com respeito pelas proibições de "punições colectivas, do uso indiscriminado da força e da deslocação forçada de populações" (cfr. Vatican News de 20 de julho de 2025). 

Nem obstante, vem hoje o Embaixador de Israel em Portugal afirmar, em artigo de opinião publicado no jornal Observador, que: "ONU é cúmplice do Hamas na militarização da ajuda humanitária". É a palavra do Embaixador contra a do Papa. Por mim, já escolhi quem diz a verdade sobre Gaza. E não é a propaganda do Embaixador de Israel.

Este Portugal adormecido deveria escolher a decência do mundo civilizado e reconhecer a Palestina como Estado. Permitindo a este novel Estado (já reconhecido por 147 outros membros das Nações Unidas, incluindo vários da  União Europeia), defender o seu território de Gaza, de que Israel se pretende apropriar ilegalmente. Porque é disso que se trata.

E não venham dizer que sou contra os judeus. Sou democrata-cristão e em Portugal já tivemos judiarias e mourarias. Acreditem, não funcionam. Já deitámos abaixo os muros. Pacificamente. Não toleramos qualquer discriminação baseada em credo ou raça. O mesmo desejo para os Estados de Israel e da Palestina. Que convivam em Paz!

E, já agora, se é para fazer uma Riviera, porque não recuperam antes a linda que havia no Líbano? 

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 24 de julho de 2025

É oficial: somos porcos

Os porcos são os animais mais inteligentes na quinta do 1984 de Orwell. Conquistaram-nos e depois deu no que deu. Agora os porcos somos nós, os humanos. É oficial, depois do Parecer de ontem do Tribunal Internacional de Justiça (o Tribunal da Organização das Nações Unidas, T-ONU, que tem sede no Palácio da Paz, em Haia, Países Baixos): estamos a destruir a nossa casa, o planeta!

Pela primeira vez, além das movimentações e correspondentes declarações e manifestações políticas e sociais que já se tornaram habituais, desde ontem tornou-se jurídico, judicial, formalmente oficial, provado: o "efeito estufa" existe. E é em grande parte provocado por nós, humanos. Em tão grande parte que, se não mudarmos de comportamento, o mais provável será ficarmos sem casa, sem planeta habitável.

Por unanimidade, o painel de juízes do T-ONU, a 23 de julho de 2025, emite o seu Parecer Consultivo e responde às questões colocadas pela Assembleia Geral da ONU sobre as obrigações dos Estados em relação às alterações climáticas, afirmando que estas existem com mão humana (o que é novo, em sede judicial), e concluindo que os responsabilizam, em sede de Direito Internacional (novidade, também).

O sábio painel vai, porém, ainda mais longe:

"O Tribunal relembra que foi sugerido que estes procedimentos consultivos são diferentes de quaisquer outros anteriormente submetidos... (mas conclui que) as questões que lhe são colocadas pela Assembleia Geral são questões jurídicas... (podendo o T-ONU) abordar as questões que lhe são colocadas através e dentro dos limites de sua função judicial; este é o papel que lhe é atribuído na ordem jurídica internacional.

No entanto, as questões levantadas pela Assembleia Geral representam mais do que um problema jurídico: dizem respeito a um problema existencial de proporções planetárias que põe em risco todas as formas de vida e a própria saúde do nosso planeta. 

O direito internacional, cuja autoridade foi invocada pela Assembleia Geral, tem um papel importante mas, em última análise, limitado na resolução deste problema. Uma solução completa para este problema assustador e auto-imposto requer a contribuição de todos os campos do conhecimento humano, seja o direito, a ciência, a economia ou qualquer outro.

Acima de tudo, uma solução duradoura e satisfatória requer vontade e sabedoria humanas — a nível individual, social e político — para mudar os nossos hábitos, confortos e modo de vida atual, a fim de garantir um futuro para nós próprios e para aqueles que virão".

Luis Miguel Novais

sábado, 19 de julho de 2025

Sermos Europa, hoje

Recordo com prazer o ano de 1985, em que este Portugal adormecido se assumiu europeu. Felizmente, desde então. Volvidos que estão 40 anos.

Aquilo que é hoje a União Europeia é um "cadáver esquisito", para usar a expressão dos surrealistas do século passado (na realidade, assim ambígua, porque a expressão original francesa "cadavre exquis" quer mais dizer cadáver delicioso, ou algo do género; sendo conhecido que a bela língua portuguesa dá um tratamento especial a "esquisito", não necessariamente bom para os que não apreciam a diferença). 

A União Europeia tem tanto de belo como de horrível. Este último pela pesada máquina burocrática, cheia de alavancas e botões que criam demasiados pequenos poderes, fomentadores da inércia e da corrupção. Encontro o belo na ânsia do verdadeiro - contradição nos termos apenas aparente. Hoje em dia, a União Europeia é a (única) afirmação nesta nossa nave especial da liberdade regrada pela lei. Um sítio bom para viver, portanto.

Na União Europeia o objetivo é a paz, não a guerra. É a liberdade de falar, não a censura. É a afirmação da diversidade, não do monolitismo. É a afirmação do multipartidarismo, não a ditadura. É a sobreposição do poder político ao poder da força do dinheiro. Numa palavra, aqui estamos pelo Direito. É quanto resulta da regra da condicionalidade. A boa regra da condicionalidade.

Que se traduz no seguinte (traduzindo do folheto distribuído ontem, em inglês, pela Comissão Europeia, "Orçamento da Europa - Reforçar o Estado de Direito" - 2028-2034):

"O respeito pelo Estado de Direito continuará a ser uma obrigação para todos os fundos do próximo orçamento de longo prazo da UE.

A combinação do apoio financeiro às reformas do Estado de Direito, juntamente com a aplicação de salvaguardas e condicionalidades, garantirá que o orçamento da UE seja protegido e utilizado para reforçar a democracia, o Estado de Direito, os direitos fundamentais e os valores da União.

O Estado de Direito é essencial para a democracia, a segurança e a estabilidade económica da Europa. Garante a proteção dos direitos, a punição da corrupção e o cumprimento dos contratos. E garante um ambiente estável e previsível para os cidadãos e empresas da UE".

De todas as muitas novidades que a enorme teia de tratados internacionais da União Europeia introduziram nas nossas vidas de cidadãos europeus, a da condicionalidade é a mais importante. por ser um travão de desmandos.

Para utilizar a feliz expressão, a outro propósito, de um dos pais da nossa pátria livre, herói da Revolução do Porto de 1820, Ferreira Borges: a condicionalidade é a "tesoura das unhas dos ditadores".

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Mínimo de decência

O atual Primeiro-ministro deste Portugal adormecido, Luis Montenegro, acaba de anunciar um novo suplemento extraordinário nas pensões. Indicando que se trata de pensões de invalidez, de velhice, de sobrevivência, aposentação, e outras do sistema de segurança social; e enunciando números:

- mais 200 euros por mês em pensões até 522 euros mensais; até mais 100 euros por mês em pensões até 1567 euros mensais;

- são mais de dois milhões e trezentos mil pensionistas abrangidos (a avaliar pelos dados do ano passado);

- dos quais cerca de um milhão e quatrocentos no primeiro escalão, de pensões mais baixas.

É um contributo para o mínimo de decência. Parabéns.

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Ainda a Tap

Volta à agenda deste Portugal adormecido a privatização da Tap, a companhia aérea que carrega as cores nacionais. Desta feita, a privatização é de 49,9% do capital social. Logo, a minoria. Ficaremos nós com a maioria. Busca-se agora um parceiro estrangeiro de indústria, maior do que a Tap, que assegure o hub de Lisboa e aceite ficar minoritário. Não parece coerente. Será para ganhar tempo. O parceiro acabará a meter dinheiro, ficando maioritário.

Não errarei por muito se disser que hoje (apesar de não haver dados) o peso do Turismo no nosso PIB deve andar pelo 1/3 (o outro 1/3 serão serviços públicos, o restante 1/3 os demais serviços, indústria e agricultura). Ou seja, um mundo para nós. Altamente dependente do transporte aéreo. Que não depende apenas da Tap, embora esta tenha um peso substancial. A Tap continua a ser um sorvedouro de dinheiro público, ainda não recebemos sequer o dinheiro da pandemia, provavelmente nunca viremos a receber.

Continuo a pensar que, tudo somado, é de privatizar à melhor oferta.

Luis Miguel Novais

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Confidências do Exílio

Porque daqui houve nome Portogal, era o subtítulo do fanzine Confidências do Exílio, que com Luís Freixo, Rui Sousa e João Loureiro editei há 40 anos atrás, em 1985. Saíram quatro números. No sábado próximo passado, na Casa Comum da Universidade do Porto, com a moderação de Paula Guerra e produção de Susana Serro, celebrámos o aniversário redondo. Na realidade, celebrámos a saborosa liberdade de falar, conquista deste Portugal adormecido, tão recente quanto 1974. E que nós vivemos na primeira pessoa, como primeira geração crescida fora da ditadura militar.

Conforme tive oportunidade de recordar, desta feita em público, nesse ano de 1985 estava no auge a minha carreira musical, iniciada em 1981 - no concerto dos The Clash em Cascais, momento seminal da minha vontade de também escrever e ir para um palco cantar e tocar temas da mordacidade política de um Charlie don´t surf ("and we think he should.... Everybody wants to rule the world. It must be something we get from birth. One truth is we never learn. Satellites will make space burn").  Nesse mesmo ano, com concertos já dados em Braga (A Fábrica),  Porto (Cruz Vermelha, Aniki Bóbó) e Lisboa (Rock Rendez Vous), com os Prece Oposto (banda que fundara em 1983), a Academia "sugou-me". Terminou a minha carreira musical, breve mas intensa. Ficaram coisas nas gavetas que devem sair entretanto, e a fabulosa música  (passe a imodéstia) Homem do Leme - que saiu novamente em disco o ano passado, no álbum Música Moderna Portuguesa 1985-1986, publicado em São Francisco, Califórnia, Estados Unidos da América.

Madrid teve a sua movida. Lisboa e Vigo também. O Porto nem se fala... Brilhantemente documentada na exposição "Uma viagem pelo asfalto. O Rock no Porto nos anos 80". Patente até 8 de novembro de 2025 na Casa Comum da Universidade do Porto. Porque daqui houve nome Portogal.

Luis Miguel Novais

domingo, 29 de junho de 2025

O Acórdeão

O Partido Socialista (PS) deste Portugal adormecido é hoje uma confederação de três facções: Soaristas (sucessores do falecido ex-Presidente da República Mário Soares); Sampaistas (sucessores do falecido ex-Presidente da República Jorge Sampaio); e Jacobinistas (liderados pelo aspirante a Presidente da República Augusto Santos Silva). Assim tribal, à Guerra dos Tronos - correndo invisíveis correntes maçónicas respetivas, nem sempre nas mesmas missas.

Nas penúltimas eleições internas, Soaristas e Sampaistas haviam-se coligado para derrotar os Jacobinistas.  Os dois primeiros, fizeram então eleger o, entretanto caído em desgraça, secretário-geral Pedro Nuno Santos - que obtivera cerca de dois terços, derrotando o "rapaz do acórdeão", que obteve o outro terço. Quem assim chama a José Luís Carneiro não sou eu, é o mesmo Jornal de Notícias de hoje que patrocina as Tertúlias à Moda do Porto de Augusto Santos Silva (integráveis na sua pré-campanha presidencial). E eu aqui acompanho esse jornal porque, pelo perfil que dele traçam, troviscando nas várias tribos durante o seu percurso (ora com Assis, ora com Seguro, ora com Costa, ora com Silva...), vindo do acórdeão de Baião, toca muito bem o pisca-pisca.

José Luís Carneiro logrou agora atingir a vitória com cerca de metade do partido. Com o apoio de Jacobinistas (sua casa de partida) e parte dos Soaristas (conforme resultou da declaração do próprio João Soares). Não tendo, porém, logrado obter sequer os dois terços que assim lhe caberiam. Honni soit...

Luis Miguel Novais 

P.S. (em latim) : no próximo sábado, 5 de julho de 2025, pelas 17 horas, na Casa Comum da Reitoria da Universidade do Porto, comemoraremos os 40 anos do Confidências do Exílio. Apareça.

quarta-feira, 25 de junho de 2025

A big day for Nato

Quando conheci pessoalmente o atual presidente Donald Trump, já ele era uma estrela mediática, uma super-estrela fascinante (o jornal Expresso até fez disso capa no suplemento de Economia). Falo de 1999, quando fui advogado internacional de empresas dele nos Estados Unidos da América (EUA). A sua energia continua contagiante (e inspiradora, considerando a sua idade atual, 79 anos), passado mais de um quarto de século (tinha ele 54 anos e eu 36 quando nos cruzámos então). Digo isto porque assisti em direto pela televisão, com natural interesse e expetativa, à conferência de imprensa que acaba de dar a partir de Haia, Países Baixos, no final da Cimeira da Nato (Organização do Tratado do Atlântico Norte), de há momentos. Na sua qualidade de Comandante Supremo dos EUA... e da Nato.

Ontem, antes de me deitar, trocava mensagens com um jovem amigo também natural deste Portugal adormecido. Naturalmente preocupados com a possibilidade de uma guerra que nos envolva, e a propósito do meu texto de ontem, Maria vai com a Nato. O qual, que de algum modo, completa aquele outro de 4 de março de 2025, Portugal em Paz. "Já tinha pensado, em caso de guerra o melhor era mesmo ser neutro...", dizia o meu jovem intelectual amigo, "mas estando na Nato é difícil e mais difícil deve ser sair da Nato". Se não assumirmos uma posição acabaremos a comprar armas ao estrangeiro - respondi eu -. Como sabes, estive a administrar a holding das indústrias da Defesa, pelo que sei do que falo: não temos nada para vender (a não ser botas e fardas). Mas é possível Portugal ser neutro, mesmo com o artigo 5º da Nato? - perguntou o meu amigo. Para sermos neutros temos de sair da Nato - respondi -. O que não significa mais do que ficarmos a par com a Suíça. E a Irlanda. E a Áustria. Qualquer um dos quais países é mais rico em Produto Interno Bruto - continuei, para completar: para ficarmos na Nato passamos a protetorado. 

O título é dele, do Trump Show: "a big day for Nato".

Luis Miguel Novais

terça-feira, 24 de junho de 2025

Maria vai com a Nato

Estive, como convidado, na Cimeira da Nato de Lisboa em 2010. A meu lado estava, por exemplo, José Luís Carneiro (atual líder do Partido Socialista). Apertámos brevemente as mãos de Barack Obama e Vladimir Putin. Sim, em 2010 a Rússia foi convidada para a Cimeira da Nato.

Salazar, que tinha imensos defeitos mas logrou não nos envolver como beligerantes na II Guerra Mundial, foi "forçado" pelos Estados Unidos da América (EUA) a integrar, como membro fundador, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Nato). Como resulta dos seus papéis (hoje publicados em A Diplomacia de Salazar, de Bernardo Futscher Pereira, 2012), Salazar desprezava os norte-americanos. Precisamente pela política de America First. Nem a Base das Lajes lhes cedeu: foi cedida aos ingleses em 1943, no quadro da Velha Aliança. Foi pela mão destes, e a nossa presença "forçada" na Nato (que permitiu a Salazar manter no poder o seu regime caduco e anti-democrático), que os EUA desenvolveram a Base das Lajes naquilo que hoje é: um porta-aviões (seja de reabastecimento) no meio do Atlântico Norte.

Salazar ficou também conhecido por ser governado pela sua Maria. A sombra desta permanece, como no velho ditado de que Maria vai com as outras. Este Portugal adormecido, em vez de se atar às compras desenfreadas de material militar estrangeiro, não deveria parar para pensar por qual motivo países do nosso tamanho e  membros da União Europeia, como a Irlanda e a Áustria, não integram a Nato? Para que serve o Presidente da República? Onde está, hoje?

Luis Miguel Novais

domingo, 22 de junho de 2025

Sheriff Trump

O mundo mudou (outra vez) esta madrugada. Como de costume, ainda não nos apercebemos bem das consequências da mudança - ninguém prevê o futuro. Mas os Estados Unidos da América (EUA) apresentaram, há momentos, um mapa da sua Operação Midnight Hammer contra o Irão. Mapa que faz com que qualquer pessoa minimamente esclarecida sobre questões de segurança e direito internacional, dos BRIC aos NATO e demais, compreenda que esta é uma das mudanças pivotais.

Em termos de segurança internacional, a utilização pela primeira vez em combate dos aviões B2, voados do meio dos Estados Unidos da América, através do Atlântico e do Mediterrâneo, invisíveis, reabastecidos em voo, carregados de bombas destruidoras dos bunkers mais profundos, e regressados ao Missouri, intactos, não é apenas uma novidade. É uma grande mudança. A partir de hoje, qualquer potência, mais ou menos bem intencionada, na realidade qualquer um de nós, pensará que, a partir de casa, sem necessidade de bases externas ou autorizações de aliados, os EUA não só podem, como fazem cair bombas avassaladoras em qualquer lugar - o que demonstraram para o Atlântico vale também para o Pacífico, porque o mundo é redondo. E à mesma distância do Missouri fica o resto.

Em termos de direito internacional, onde vale o precedente enquanto fonte de Direito (já que ninguém acredita que o Conselho de Segurança das Nações Unidas venha a estabelecer uma Resolução em contrário, que será sempre vetada pelos próprios EUA), o que fica estabelecido, depois da Operação Martelo da Meia-Noite, é que soberano que se sentir ameaçado, sem prévia declaração de guerra, opera cautelarmente ataques em território alheio. Nada, de resto, que o próprio Sheriff Trump I não tivesse já pensado e lançado. Como, de resto, escrevi há praticamente uma década, por exemplo, em 16 de agosto de 2016 (Trump e a Nato), ou em 17 de abril de 2017 (O polícia e os sinaleiros). 

O nosso mundo mudou (outra vez). Ainda bem que o Sheriff não é pelos maus. Embora isto de xerifes...

Luis Miguel Novais

 Post Scriptum: uma clarificação técnica sobre os bombardeiros utilizados é de rigor. No texto refiro-me como B2 ao novo B21. O primeiro, com 35 anos de serviço, já fez vários bombardeamentos e impressionantes longas viagens. Fiquei com a impressão de que utilizaram no Irão, pela primeira vez, o novo. Posso estar enganado. O que não contende com a conclusão política: um ataque destes, voando furtivamente sobre o Atlântico e o Mediterrâneo até ao Índico, e volta, é uma grande mudança, em termos de segurança internacional.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Sansão, hoje

Quem ficou sem olhos em Gaza foi Sansão (Bíblia, Juízes 16:21). Quem está sem olhos em Gaza somos nós, agora.

Será mesmo verdade o que diz a Unicef sobre Gaza: "Com o colapso dos serviços essenciais, as necessidades humanitárias são imensas. As crianças enfrentam fome, doenças e trauma enquanto vivem em condições insustentáveis. Mais de 14.500 crianças mortas, milhares feridas e quase um milhão forçadas a abandonar as suas casas. 17.000 crianças separadas ou não acompanhadas, enfrentando riscos acrescidos de abuso, negligência e trauma. 95% das escolas danificadas ou destruídas, negando educação e um sentido de normalidade. Menos de metade dos hospitais estão funcionais, colocando vidas em risco devido à falta de cuidados médicos".

A ser verdade, os israelitas não têm perdão. Nenhum ser humano pode tratar outro assim. Os fins não justificam a animalidade selvagem, seja de quem for. Para isso, inventámos o Direito. Mesmo sem olhos nem tranças, somos e seremos Sansão.

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Melhor he prevenir, que ser prevenido

Por uma vez (para variar), estou de acordo com Augusto Santos Silva: nenhum dos atuais candidatos a Presidente da República preenche "os requisitos mínimos" (conforme afirmou ontem em entrevista à SIC Notícias).

Claro que estou em desacordo com ele no ataque à posição israelita na guerra com o Irão - que, recorde-se, dura desde 1979 e registou agora uma escalada nuclear desafiante. Em abono do que resta de esperança numa Europa great again, louvo-me na única posição coerente assumida por um líder, Friedrich Merz: Israel "is doing the dirty work for us" (conforme relata a DW).

De um ponto de vista jurídico, a questão do ataque preventivo não se aplicaria também ao desmantelamento de uma rede potencialmente terrorista, ainda sem ataque conhecido? Foi o que ocorreu esta semana neste Portugal adormecido. E bem. 

O título é um adágio do século XVIII (vem no Rolland), entretanto em desuso. Convém recordar.

Luis Miguel Novais

sábado, 14 de junho de 2025

Israelirão

Tudo o que sucede em Gaza não conta já para nós, porque deixou de ser notícia, desde os ataques e contra-ataques bombásticos de ontem, entre Israel e Irão. Israeliraniamos todos, agora.

Para a História, baseada em factos, ficará o alerta de uma agência das Nações Unidas, datado de anteontem: a Agência Internacional de Energia Atómica (supostamente neutral) afirmou que o Irão reforçou a produção de urânio enriquecido, sem garantias de que fosse para fins pacíficos. Justificação, fundamentada, dada por Israel para iniciar um ataque ao Irão, alegadamente em auto-defesa legítima, no quadro do art. 51º da Carta das Nações Unidas, normalmente aplicável aos casos de ataque armado. 

Só o assentar da poeira permitirá concluir quem, realmente, iniciou esta guerra. Lamentável, como todas.

Luis Miguel Novais

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Ordenações

Após mais uma manhã de despacho na minha atividade profissional como advogado neste Portugal adormecido, ocorre-me este pensamento que corro a partilhar consigo: precisávamos que o próximo Presidente da República pusesse ordem na poluição legislativa que nos cobre e asfixia. Precisamos de umas novas Ordenações. Essa sim, seria a séria reforma do Estado, no estado em que nos encontramos.

Sendo Portugal agora exclusivamente europeu, continental e insular, já não mais também africano, americano, asiático (como era, quando eu nasci), é chegada a altura de um back to basics. O nem sempre justiçado Marquês de Pombal chamou-lhe Lei de Boa Razão, quando a fez publicar em 18 de agosto de 1769, com a seguinte justificação: "por quanto depois de muitos anos tem sido um dos mais importantes objectos da atenção, e do cuidado de todas as Nações polidas da Europa o de precaverem com sábias providências as interpretações abusivas, que ofendem a Majestade das Leis; desautorizam a reputação dos Magistrados; e tem perplexa a justiça dos Litigantes; de sorte que no Direito, e Domínio dos bens dos Vassalos não possa haver aquela provável certeza, que só pode conservar entre eles o público sossego". 

Antes dele tivéramos, em especial, as Ordenações Afonsinas, Manuelinas, Filipinas... e depois os Códigos, incluindo as Constituições. E, agora, uma série muito enorme de legislação avulsa, contraditória, que favorece sobretudo as corporações dos pequenos poderes, onde se confunde discricionariedade com arbítrio. Onde se não faz respeitar o sossego da liberdade regrada pela lei. Bem faria aquele que lograsse mandar ordenar a atual poluição legislativa.

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Ceyeye

O Portugal adormecido dos factos políticos comemorou hoje solenemente os 40 anos de adesão às Comunidades Europeias, hoje União Europeia. Como cantava então o meu amigo Alexandre Soares, dos GNR, "quero ver Portugal na CEE". E agora, que passaram todos estes anos, vemos o quê?

O eixo franco-alemão continua de rigor. A indústria europeia move-se sob a batuta da Alemanha. A agricultura europeia continua à francesa. A nossa adesão sentou-nos à mesa dos grandes. Mas permanecemos sob tutela - e de mão estendida aos donativos. Vivemos do turismo, e pouco mais.

Estão melhor a Suíça, ou a Noruega. Ambas na Europa mas fora da UEyeye.

Luis Miguel Novais

terça-feira, 10 de junho de 2025

Reler Camões

Estava hoje num Café ao pé de minha casa, neste Porto de Portugal adormecido, e vieram  ter connosco meninos do 4º ano da Escola Básica de Costa Cabral. Esta foi a minha Escola Primária, até 1973. Aí aprovei o exame da 4ª classe (na altura, praticamente o nível máximo de escolaridade para quase todos em Portugal, "Continental e Ultramarino").

Conservo nas paredes da sala de reuniões do meu atual escritório de advocacia os mapas desse Portugal completo onde nasci, em 1963, e que foi assim até 1999 (desmembrado aos pedaços): um país intercontinental, de mais de dois milhões de quilómetros quadrados, de população maioritariamente negra, extra-europeia. Um país que saiu das suas fronteiras europeias por esse mundo fora, pelo tempo de Camões.

Isto pensam vagamente esses meninos, com quem conversei um pouco, a última parte: "Em 2024 celebrámos o V Centenário, data de nascimento, de Luíz Vaz de Camões, que terá ocorrido em 1524, talvez em Lisboa. Estas comemorações prolongam-se até 2026", diz o texto que me entregaram.

Carregavam, cada um, livros de "Os Lusíadas". Nenhum o tinha lido. Perguntei a todos se sabiam qual era a famosa última palavra do épico. Não sabiam. Foram ver. Recordo-me que na idade deles éramos mais "senhorinhos", menos vagos. Fiquei um pouco triste - neste tempo das máquinas é que sabem.

Este nosso Portugal adormecido, tão centralista que agora o então coimbrão Camões também já é lisboeta, pelo menos para os que estudam na minha antiga escola no Porto, está a perder a batalha da identidade. Aquilo que nos distingue não é o período colonial, que começou em 1415 e terminou em 1999.

Se os nossos políticos não se transformassem todos em centralistas lisboetas (começando pelo atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa), teriam uma melhor noção de que Portugal, no seu atual formato, começou muito antes de Camões (e o período que ele representa): é pelo menos, se não quisermos ir mais longe, um fruto do Grande Cisma de 1054.

Voltando ao papel que me distribuíram os meninos da minha antiga Escola Primária: este 10 de junho é "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas". Embora não pareça.

Luis Miguel Novais

domingo, 8 de junho de 2025

Sem olhos em Gaza

Conheço bem a Bíblia. Mal seria um escritor não conhecer aprofundadamente este livro mágico, religioso, humano e sobre-humano. Composto a muitas mãos, em muitas línguas, durante muitos anos, de Abraão a Jesus, durante um período de cerca de dois mil anos para cada lado, ou seja, cobrindo cerca de 4000 anos de humanidade.

Na Bíblia (vou citar da minha: Paulus 1993, 4ª edição portuguesa, 2000), vêm narradas as várias guerras, já então, em Gaza (ou Azzah). Desde o Pentateuco, no Deuterónimo (possivelmente do século VII a.C.), também chamado projeto de uma nova sociedade (que ironia, já então através da guerra e ocupação violenta do alheio): "Quanto aos Aveus, que habitavam nos campos até Gaza, os Caftorim saíram de Cáftor e exterminaram-nos, habitando depois o seu lugar" (Deuterónimo 2:23). Chegando Gaza aos Livros Proféticos, em Jeremias 25:20 (posterior a 586 a.C.), o livro do vento quente e forte da fidelidade no Direito e na Justiça.

O título deste texto, claro, tomei-o emprestado a Aldous Huxley (Eyeless in Gaza, 1936). Sempre me impressionou. Cegos. Há tantos anos. E não apenas em, mas agora uma vez mais também, em Gaza. Nunca mais aprendemos. Felicidades aos ativistas que desafiam os invasores de Israel e do Hamas no seu pequeno veleiro Madleen a caminho de Gaza. Por cujas velas sopra o vento quente e forte do respeito pela humanidade em paz, nossa condição natural.

Luis Miguel Novais

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Quarta República

A "Quarta República" deste Portugal adormecido saiu ontem da boca para fora do presidente do partido Chega, André Ventura, de novo candidato putativo a Presidente da República Portuguesa.

Depois do "Novo Estado Novo" enunciado pelo candidato Gouveia Melo, o ataque à Terceira República está-se a compor - de resto, por exemplo, a França já vai na quinta. Valerá a pena? Se for para passar por um novo processo revolucionário, não. Certamente, não.

Gouveia Melo terá de o ter vivido, tem idade para isso, é um "retornado". Presumo que não quererá que passemos por outro (sempre doloroso) processo revolucionário. André Ventura, não. Tem o "sangue na guelra", nasceu depois da revolução, não sabe e já disse que não quer saber.

Eu mantenho defesa da atual Constituição da República Portuguesa.

Luis Miguel Novais

segunda-feira, 2 de junho de 2025

O modelo Gabor

A notícia do despedimento coletivo de mais de 200 trabalhadores na fábrica de calçado alemã Gabor, em Silveiros, Barcelos, no norte deste Portugal adormecido, deverá fazer-nos refletir sobre a atualidade com vista ao futuro.

Conheço o calçado Gabor fabricado em Portugal porque é muito bom (sou cliente) e porque se fabrica no terreno que foi de uma quinta de uma minha bisavó, praticamente ao lado do cemitério onde jaz meu pai. Foram já meus avós quem vendeu a quinta, nos anos 80 do século passado. Quando para aqui se transferia parte da produção industrial do norte da Europa, em busca de mão-de-obra boa e barata (fruto da nossa adesão ao mercado comum europeu). Tinha a Gabor Portugal, até agora, cerca de mil trabalhadores, sobretudo mulheres, excelentes. Mas com dois grandes defeitos (de modelo de investimento estrangeiro) que vão tornar doloroso o processo (eventual) de retoma: em primeiro lugar, não é um negócio autónomo, depende totalmente da empresa-mãe na Alemanha (aqui se fabricam, por lá se vendem os sapatos), ou seja, sem margens próprias (provavelmente assente em preços de transferência); em segundo lugar, e não de somenos, são trabalhadores sindicalizados, o que certamente dificultará a redução de remunerações - já de si, infelizmente, assente em salários baixos -, afugentando o capital.

Gostava de poder ajudar. Parece impossível. E não será caso isolado. É aqui que entra o Estado. Um modelo errado?

Luis Miguel Novais