Estava hoje num Café ao pé de minha casa, neste Porto de Portugal adormecido, e vieram ter connosco meninos do 4º ano da Escola Básica de Costa Cabral. Esta foi a minha Escola Primária, até 1973. Aí aprovei o exame da 4ª classe (na altura, praticamente o nível máximo de escolaridade para quase todos em Portugal, "Continental e Ultramarino").
Conservo nas paredes da sala de reuniões do meu atual escritório de advocacia os mapas desse Portugal completo onde nasci, em 1963, e que foi assim até 1999 (desmembrado aos pedaços): um país intercontinental, de mais de dois milhões de quilómetros quadrados, de população maioritariamente negra, extra-europeia. Um país que saiu das suas fronteiras europeias por esse mundo fora, pelo tempo de Camões.
Isto pensam vagamente esses meninos, com quem conversei um pouco, a última parte: "Em 2024 celebrámos o V Centenário, data de nascimento, de Luíz Vaz de Camões, que terá ocorrido em 1524, talvez em Lisboa. Estas comemorações prolongam-se até 2026", diz o texto que me entregaram.
Carregavam, cada um, livros de "Os Lusíadas". Nenhum o tinha lido. Perguntei a todos se sabiam qual era a famosa última palavra do épico. Não sabiam. Foram ver. Recordo-me que na idade deles éramos mais "senhorinhos", menos vagos. Fiquei um pouco triste - neste tempo das máquinas é que sabem.
Este nosso Portugal adormecido, tão centralista que agora o então coimbrão Camões também já é lisboeta, pelo menos para os que estudam na minha antiga escola no Porto, está a perder a batalha da identidade. Aquilo que nos distingue não é o período colonial, que começou em 1415 e terminou em 1999.
Se os nossos políticos não se transformassem todos em centralistas lisboetas (começando pelo atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa), teriam uma melhor noção de que Portugal, no seu atual formato, começou muito antes de Camões (e o período que ele representa): é pelo menos, se não quisermos ir mais longe, um fruto do Grande Cisma de 1054.
Voltando ao papel que me distribuíram os meninos da minha antiga Escola Primária: este 10 de junho é "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas". Embora não pareça.
Luis Miguel Novais
