A guerra em direto, a instabilidade no Tratado do Atlântico Norte, a aproximação de eleições para Presidente da República, deverão merecer uma reflexão coletiva dos Portugueses sobre o nosso futuro posicionamento perante a guerra e a paz na Europa. E no nosso jardim.
Segundo a nossa Constituição: “Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos” (Artigo 7º, nº2 da Constituição da República Portuguesa - CRP).
“Portugal empenha-se no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da ação dos Estados europeus a favor da democracia, da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos” (Artigo 7º, nº5, CRP).
“O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas” (Artigo 120º, CRP).
Compete ao Presidente da República: “Declarar a guerra em caso de agressão efetiva ou iminente e fazer a paz, sob proposta do Governo, ouvido o Conselho de Estado e mediante autorização da Assembleia da República, ou, quando esta não estiver reunida nem for possível a sua reunião imediata, da sua Comissão Permanente” (Artigo 135º, al. c), CRP).
Compete à Assembleia da República: “Aprovar os tratados, designadamente os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa, de retificação de fronteiras e os respeitantes a assuntos militares, bem como os acordos internacionais que versem matérias da sua competência reservada ou que o Governo entenda submeter à sua apreciação” (Artigo 161º, al. i), CRP). E, bem assim, “Autorizar o Presidente da República a declarar a guerra e a fazer paz (Artigo 161º, al. m), CRP).
Compete ao Governo: “Propor ao Presidente da República a declaração da guerra ou a feitura da paz” (Artigo 197º, al. g), CRP).
Às Forças Armadas “incumbe a defesa militar da República” (Artigo 275º, nº1, CRP). “As Forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da lei” (Artigo 275º, nº3, CRP). “As Forças Armadas estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política” (Artigo 275º, nº4, CRP).
“Incumbe às Forças Armadas, nos termos da lei, satisfazer os compromissos internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte” (Artigo 275º, nº5, CRP).
Esta filigrana jurídica, de checks and balances à portuguesa, deverá poder salvaguardar-nos da circunstância de um ex-militar vir a ser Presidente da República. O “Comandante Supremo das Forças Armadas” não poderá afinal, sem mais, meter-nos numa guerra: necessita da proposta do Governo e da autorização da Assembleia da República.
Não quero com isto dizer que apoio tal circunstância eventual. Pelo contrário, defendo que o próximo Presidente da República não deve ser um ex-militar. Precisamente devido à instabilidade no Tratado do Atlântico Norte.
Tive oportunidade de liderar almirantes e generais enquanto titular de alto cargo público, administrador executivo das indústrias da Defesa Nacional, na então Empordef, e guardo boas recordações das sinergias então criadas. Cada um no seu posto, porém: eu como civil, esses como militares, todos ao serviço do povo português.
Para não ir mais longe do que a primeira república, cuja debilidade levou à participação de Portugal na guerra, a nossa próxima reflexão coletiva deverá poder incluir a paz. Eventualmente, pela neutralidade.
Luis Miguel Novais
(Texto primeiro publicado no jornal Público de 4 de março de 2025)