Aqueles que nos empenhamos no Direito
Internacional temos frequentemente a sensação de sermos a última fronteira
antes da guerra (costumo transmitir aos meus alunos). O Papa Francisco, ontem, acrescentou (noutro contexto), na sua
maior sabedoria e lapidar eficiência, que: "se falta o Direito nascem as
guerras e as ditaduras".
A semana deste Portugal adormecido observou o arranque das comemorações dos
200 anos da Revolução de 24 de agosto de 1820, no Porto, sua cidade natal. Há
200 anos, na Praça hoje felizmente chamada da República, foi lida a proclamação
da Liberdade escrita por José Ferreira Borges. Tendo eu sido um cidadão
português e portuense empenhado na preservação da memória deste advogado
portuense que pôs em discurso e prática essa necessidade essencial (e muito
padeceu com isso), muito estranhei não ter sido convidado ou sequer sondado
pela minha cidade para participar nas comemorações. Certamente por lapso, já
que o Senhor Presidente da Câmara Municipal era o diretor da revista O Tripeiro
na altura em que um meu texto em tributo a Ferreira Borges foi publicado em
diversas edições da mesma, adaptado desta conferência que sobre o assunto
proferi em São Paulo, Brasil (aqui).
Não quero pensar em mais do que lapso. Não apenas porque tenho estima pelo Dr.
Rui Moreira, também porque a civilidade me impede de dizer o que penso sobre o
falecido comissário das comemorações.
Ferreira Borges escreveu que o papel do rei era exercer o poder moderador.
Exatamente aquele que agora, segundo creio, cabe ao Senhor Presidente da
República. Esta semana, foram aprovados cinco projetos de lei (com o espantoso
voto em favor do líder do meu anterior partido), que se anulam por
contraditórios, mas têm um muito sério ponto em comum: conferirão aos médicos o
poder de nos matarem. Como humanista, que não me canso de ser, creio que o
homem é a medida de todas as coisas - como já notava Leonardo através do seu
belo desenho. Sem vida não há homem, nem mulher, nem nada. Cabe agora ao Sr.
Presidente da República Portuguesa mandar observar o Direito, que não se resume
às leis emanadas do Parlamento, antes está submetido, como todas as coisas
razoáveis, ao princípio da proibição do excesso. Custa-me pensar em algo mais
excessivo do que criar pequenos ditadores que acabarão a decidir sobre o bem
supremo, mais que tudo merecedor da tutela do Direito, que é a vida.
Também oposto ao Direito é o triste espetáculo revelado esta semana por um
Juiz Desembargador que se tomou por superior ao princípio do Juiz Natural: não
veio o senhor juiz publicamente negar o facto, veio procurar justificá-lo. O
que é injustificável: os princípios, ao contrário das regras, não comportam
excepções. Como manda o Direito, essa derradeira fronteira.
Luis Miguel Novais
Riqueza, civilização e prosperidade nacional