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terça-feira, 3 de junho de 2014

Aclaração, densificação e palavrão

No meu percurso profissional como advogado recorri por várias vezes para o Tribunal Constitucional. Conheço bem o destino dos pedidos de esclarecimento ou aclaração posteriores aos seus acórdãos: indeferido.

Deverá ser esse o destino do pedido agora feito pelo Governo, via Parlamento.

Não porque as decisões do Tribunal Constitucional sejam sempre claras e perceptíveis ou, as mais das vezes, justas. Apenas porque os nossos juízes, em geral, raramente reconhecem erros de julgamento fora de recursos. E das decisões do Tribunal Constitucional não cabe recurso. Logo, a afirmação do poder dos juízes, passado o momento da publicidade da decisão, fixa-se em textos, eles próprios, merecedores de muita interpretação, muita aclaração... mas disso lavam os juízes as suas mãos, socorrendo-se do princípio do esgotamento do poder jurisdicional dos juízes uma vez proferida a sentença.

A notícia do pedido de aclaração feito pelo Governo pareceu-me, mesmo assim, uma boa idéia.

Na verdade, o que o nosso Tribunal Constitucional tem vindo a fazer ao longo dos anos é densificar princípios constitucionais. Na nossa Constituição (apesar de longa), não estão escritas normas que cheguem para decidir as muitas questões de constitucionalidade das leis que têm vindo a ser colocadas. É duvidoso até que alguma vez pudessem estar. Por isso, o que os juízes do Tribunal Constitucional fazem é uma interpretação pessoal de princípios como o da confiança, da igualdade, da proporcionalidade. É, naturalmente, uma decisão pessoal fundada nos seus estudos, experiência e capacidade de discernimento. E resulta da legitimidade que para cada um dos juízes decorre do facto de terem sido nomeados para assim fazerem, como juízes deste tribunal a quem compete (via Constituição) administrar a justiça em matérias jurídico-constitucionais. Decidem por maioria. E podem votar vencido, com declaração de voto.

Quem se der ao trabalho de ler as declarações de voto do mais recente Acórdão 413/2014, de 30 de Maio (aqui, no final do texto) verificará o que digo. Os juízes do Tribunal Constitucional não estão todos de acordo, sequer, sobre os poderes de intervenção política do Tribunal Constitucional.

Estão por definir as fronteiras dos poderes de intervenção deste tribunal na delimitação com os poderes do legislador (Parlamento e Governo). O Tribunal Constitucional está a meter a foice em seara alheia.

E, por isso, o que o Governo e o Parlamento devem mesmo pedir é a "aclaração" da "densificação" dessas fronteiras... a esse mesmo Tribunal Constitucional, que não governa (como nem pode), nem deixa governar (como não deve).

Luis Miguel Novais