Na periferia desta Europa e destas direcções partidárias dos dois partidos do centro, ontem não fui votar, abstive-me. Voluntariamente, não votaria extremista. Não me restava outra opção do que a abstenção.
Bem sei o que diz a propaganda do actual sistema político-partidário: que votar é um direito, que não votar é um erro, bla, bla bla. Em termos de expressão individual do sentido de voto, ninguém pode impor aos outros o modo de expressar um voto de desacordo com os partidos concorrentes a umas eleições: votos brancos, nulos ou abstenção são formas legítimas de expressão individual do exercício de um direito individual. Votar é um direito; abster-me de votar é outro (em bom rigor, a legítima abstenção voluntária de exercício de um direito). São duas faces de uma mesma moeda.
E senti-me bem com este meu sentido de voto, que acompanha afinal outros 6.399.599 de portugueses inscritos que também não foram votar nas listas concorrentes às eleições europeias de ontem, 25 de Maio de 2014, neste Portugal adormecido.
Na linguagem manipulável da aritmética política, apresentados os resultados em percentagens, a abstenção já é impressionante: votantes 33,90%, não votantes 66,10%. Mas na linguagem fria dos números, que verdadeiramente corresponde às pessoas (uma pessoa, um voto), os resultados ainda impressionam mais: votantes 3.281.816 portugueses, não votantes 6.399.599.
De onde concluo pela falta de legitimidade destas eleições, em função das presenças, o vulgarmente chamado quorum.
Em qualquer condomínio ou associação de bairro, um terço de presenças não chegaria para formar maioria democrática para eleger dirigentes ou representantes. Pelo menos não chegaria em primeira convocatória.
De modo análogo, a nossa Constituição dispõe que o referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos (Art. 115, n.11).
O que está longe de ter sido atingido ontem: a metade de votantes mais um, ontem, teria sido formada por 4.840.708 de votantes. Muito longe dos 3.281.816 portugueses que votaram: 1.558.892, um milhão quinhentos e cinquenta e oito mil oitocentos e noventa e dois portugueses a menos do que os necessários para atingir um número superior a metade dos eleitores inscritos.
Alguém tem de parar este triste espectáculo de querer cobrir com aparente legitimidade democrática eleições que não respeitam regras básicas de convivência - como, de resto, sucedia no regime anterior, que só durou 48 anos.
Os eurodeputados ontem eleitos não dispõem de legitimidade democrática, por falta de quorum. Espero que a Comissão Nacional de Eleições o declare, mandando repetir as eleições, respeitando a sabedoria popular: trinta e três, diga lá outra vez.
Luis Miguel Novais
Riqueza, civilização e prosperidade nacional