A Field Guide to Getting Lost, de Rebecca Solnit, veio ter comigo esta semana, em língua inglesa. E ainda bem. Desconheço se existe tradução em língua portuguesa (na Porbase só encontrei dois títulos desta autora, e nenhum deles se parece). O ainda bem tem uma explicação. Um mau tradutor, por exemplo um bot, teria traduzido o título por "Um Guia de Campo para se Perder" (a sério, experimentei no Google Tradutor e foi o que deu), e teria perdido todo o sentido.
A Field Guide to Getting Lost é tudo menos um daqueles cadernos repetidos do jornal Expresso relativos a Boa Cama, Boa Mesa, Caminhadas e quejandos. Na realidade, parece-se (a mim pareceu-me) com o meu Virados para a Lua (esgotado, mas requisitável, por quem ainda não tiver tido ocasião de ler, na excelente rede de bibliotecas públicas deste Portugal adormecido - ver aqui).
Claro que, não tendo eu escrito em língua inglesa, não dispus do mesmo arsenal de imprensa de que, justamente, dispôs Rebecca Solnit: "Wonderful" disse The Times, "Brilliant", disse The Guardian, "Wondrous", disse o Los Angeles Times, e por aí fora - estou a citar da badana, com alguma inveja, claro, sem deixar de amar a minha difícil língua mãe.
O que mais impressiona nos livros que esvoaçam e vêm parar às nossas mãos como que por acaso é que, pelo menos aparentemente, trazem-nos mensagens. Eventualmente, dos anjos que falam connosco por meio dos livros.
Este trouxe-me a seguinte citação de uma frase de 1817 de John Keats, que desconhecia e me impressionou: "what quality went to form a Man of Achievement, especially in Literature... I mean Negative Capability, that is, when a man is capable of being in uncertainties, mysteries, doubts, without any irritable reaching after fact and reason".
Na minha tradução: "qualidade que passou a enformar um Homem de Realização, principalmente na Literatura... Refiro-me à Capacidade Negativa, isto é, quando um homem é capaz de permanecer em incertezas, mistérios, dúvidas, sem qualquer irritante de ir atrás de facto e razão".
Confesso que tem sido este irritante que me tem impedido de publicar livros desde A Janela do Cardeal, desde 2010. Tanto Natal com Pombal, como Princesa Rei, são títulos já registados no IGAC, livros praticamente acabados. Lindos, acho eu. Mas irritantes, em termos literários - dizia Keats e aproveita Solnit na sua deambulação pelos campos da literatura. Irritantes porque, descobri agora, agarrados a facto e razão.
Pudera, são "romances históricos". Daquele género literário que exerceram notavelmente, por exemplo, os evangelistas Marcos, Lucas e João (admitindo que Mateus, ao contrário destes, presenciou os factos, acompanhando Jesus). Daquele género literário que implica uma reconstituição do facto histórico por quem não o viveu. O que tem de ser irritante, ou não.
Luis Miguel Novais