O título é emprestado a um filme sul-americano de 2001. A atualidade deve-se à surpreendente notícia da apreensão no Brasil de 500 quilos de cocaína num táxi-aéreo de bandeira portuguesa onde viajava o meu amigo e ex-sócio João Loureiro, que ganhou notoriedade como presidente do Boavista Futebol Clube.
Este João Loureiro (há outro na minha vida, o meu genro homónimo, médico-dentista e sem relação familiar com aquele) e eu conhecemo-nos muito novos, aos dezassete anos, quando entrámos precocemente no curso de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa. Ficámos muitíssimo amigos. Uniu-nos, sobretudo, o comum amor à música. Que nos levou ao concerto dos Clash em Cascais e depois, quais Lennon-McCartney, a fazermos muitas coisas juntos que, sem quebra de modéstia, ilustram a cultura portuguesa - estou a pensar, por exemplo, no Confidências do Exílio, nos Ciclos de Novo Rock, ou no álbum Surrealizar dos Ban (em que participo como músico convidado e autor da letra do Encontro com Mr Hyde).
Terminado o curso de Direito, acabámos sócios em diversas coisas, na advocacia mas também em negócios nacionais e internacionais. Mantendo cada um a sua própria vida autónoma, porém - como sempre resultaria das nossas personalidades. Como se costuma dizer, não cabem dois galos no mesmo poleiro, e lá nos ajustámos, cada um para o seu lado. A minha personalidade mais racionalista levava-me (leva-me) a dar um passo em frente perante uma situação nova; a sua personalidade mais emocional levava-o (leva-o?) a dar três passos em frente perante uma situação nova; encontrávamo-nos nos dois passos em frente, onde estávamos ambos melhor: eu mais destemido do que me seria normal, ele mais seguro do que lhe seria normal. Funcionámos bem.
Até que houve um afastar de interesses: o João dedicou-se ao futebol, assunto que me distrai menos do que um bom concerto de rock. A nossa separação foi sobretudo cultural. Recordo até o momento concreto em que ocorreu: David Sylvian (o meu músico favorito) veio tocar ao Porto, e lá estivemos eu, minha mulher e a mulher do João na primeira fila do Coliseu. Separados por uma cadeira vazia, a do João, que não apareceu sequer para levantar o bilhete que lhe deixei na portaria.
A vida separou-nos. Quando o João foi implicado no caso de corrupção desportiva conhecido por Apito Dourado telefonou-me meu falecido pai muito aflito por mim, para saber se eu também tinha relação com o assunto. Nem a meu pai tinha então eu dito que o João e eu já não falávamos, sequer, há mais de dois anos. Que sossegasse, que não estava implicado. Acabei por defender o João como advogado nos vinte processos judiciais criminais em que acabou implicado no Apito Dourado. Foi absolvido em todos.
Vi o João pela última vez em 2018, por ocasião de um jantar de curso. Desde então, só falámos quando teve a amabilidade de me convidar para o casamento de uma sua filha, em 2019, ao qual eu não pude assistir por ter sido operado com sucesso à vesícula na mesma altura.
Estou perplexo com o sucedido. Não falámos há demasiado tempo. Custa-me muito a crer que o João esteja relacionado com tráfico de droga. Inocente ou culpado, desejo porém que regresse quanto antes a Portugal. Onde, se for o caso, deverá ser julgado - já que, segundo os princípios de direito internacional bem assentes, a bandeira da aeronave define a competência territorial do tribunal.
Luis Miguel Novais