A páginas tantas de A Janela do Cardeal dei por mim a pôr no pensamento do protagonista os ambíguos sentidos que, já no Renascimento, assumira a palavra latina manipulus, que veio a dar manípulo em língua portuguesa. Esta semana, ocorreram-me mais alguns:
- Nos Estados Unidos da América fez-se um julgamento político de um ex-presidente; "julgamento" que viola alguns bons princípios assentes já, pelo menos, desde o tempo dos velhos romanos. Como é bem sabido (embora, aparentemente, nem por todos), "Justiça" faz-se com juízes imparciais, não com pseudo-juízes políticos, no impropriamente chamado "tribunal da opinião pública" - que só pode querer referir-se ao escurinho das urnas, quando todos, e não apenas os manipuladores, somos juízes. Resultado: os advogados do ex-presidente absolvido no tribunal político vão agora poder gozar fartamente com o também consolidado princípio de ne bis in idem - que impedirá o dito ex-presidente de ser julgado duas vezes pelos mesmos factos. Em bom português, saiu pior a emenda do que o soneto.
- Na Birmânia (vulgo Myanmar) joga-se à propaganda: mais de vinte mil pessoas foram presas e agora libertadas por delito de opinião na sequência de urnas e subsequente golpe militar. Enquanto a manipulação informativa se joga nas redes sociais. Com o picante adicional de uma das donas das plataformas (o Facebook que, pois bem, manipula o conteúdo) ter vindo agora dizer que "limita a distribuição" de posts segundo a sua própria vontade. O que terá de vir a fazer-nos reflectir sobre regras firmes para que a Democracia não seja manipulada, além dos pseudo-tribunais e outros generais, agora também pelas redes sociais.
- Na Fortuna (vulgo dinheiro), três marcas reputadas (Mastercard, BNYM, Tesla) vieram declarar a sua aposta numa moeda privada (Bitcoin) que mais se parece com um jogo de fortuna e azar, porque não tem qualquer tipo de contrapartida ou tender (palavra em língua inglesa igualmente ambígua e que, no caso, não quer dizer macio - informação que deixo aos bots tradutores). Bitcoin transporta-nos ao sistema de conchinhas que alguns dos nossos antepassados neste Portugal adormecido usavam em vez de um sistema de moeda e crédito; e não há muito tempo - por exemplo, em Vilarinho das Furnas, nas montanhas do Gerês, ainda se usavam as conchinhas nos anos 70 do século 20, quando uma barragem afundou de vez a aldeia. Chamar-lhe dinheiro, com a seriedade institucional que agora lhe conferem estas marcas, se não é ignorância, só me ocorre que possa ser manipulação... de conchinhas.
E assim se passou mais uma enriquecedora semana para alguns dos praticantes de novas variantes do velho vírus manipulus.
Luis Miguel Novais