Riqueza, civilização e prosperidade nacional

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Portugal do Norte

Estava em Madrid no dia 11 de Setembro de 2013, dia do impressionante cordão humano de muitos milhares de pessoas que se formou na Catalunha ao longo de centenas de quilómetros (fala-se na enormidade de 400km), pela realização de um referendo sobre a independência. Na capital de Espanha não vi nada, ouvi e senti indiferença.

É uma indiferença perigosa, esta das capitais. Transponível para a nossa, Lisboa. A grande maioria da população de capitais como Lisboa ou Madrid não nasceu aí, escolheu viver aí. Olha, por isso, com indiferença, quase desdém, para aqueles que optaram (ou não conseguiram) emigrar para a capital. Em Madrid diz-se que só se vence nas ventas (aludindo à praça de touros). Em Lisboa é conhecido o que se diz sobre o resto de Portugal: é paisagem.

O 11 de Setembro de 2013 pode muito bem ter sido o princípio do fim desta indiferença perigosa para as próprias capitais, e para a unicidade dos Estados europeus tal como os conhecemos hoje. É, pelo menos, a primeira enorme manifestação de rua sobre o caminho que leva esta Europa, se não muda de rumo: o futuro desmembramento de países com fortes identidades parciais; a consequente evolução (?) para a Europa das Cidades-Estado, ao fim e ao cabo cada vez mais centrifugadas por Berlim ou, no melhor dos sonhos, por Bruxelas - em ambos os casos, o mínimo denominador comum para a paz e o progresso num quadro de concorrência interna feroz mas leal, e políticas de bloco exterior comum.

Numa Europa de Cidades-Estado, Lisboa ou Madrid não fazem qualquer sentido enquanto capitais para Barcelona ou para o Porto. Qualquer uma destas últimas (de par com Milão, por exemplo), preferirão ser o seu próprio Luxemburgo. E competir, cooperar, concorrer entre si, Cidades-Estado independentes politicamente, mais ou menos interdependentes, com um referente comum, de bloco, a capital da União Europeia de Cidades-Estado, seja ela Bruxelas ou Berlim - que já é isso mesmo, em relação aos Estados alemães federados.

A perigosa indiferença de Madrid (ao fim e ao cabo, implícito sinal de medo), não deverá ser imitada por Lisboa. Vivemos na ilusão de que Portugal é o país mais unido da Europa. Uma ilusão apenas conveniente. Que vive de aparências, como aquela de dizer que temos a fronteira mais antiga da Europa (o que é apenas sinónimo de desconhecimento sobre os tratados dos limites, ou demarcação da Raia, dos séculos XIX e XX; e ainda em aberto, por exemplo, em relação a Olivença).

As aparências iludem e, no caso que conheço melhor (por ser o único sítio do mundo onde não me sinto emigrante), o norte de Portugal mantém uma identidade muito própria, de bypass a Lisboa, que ainda agora se voltou a afirmar na nova vaga de emigrações e exportações: não para Lisboa.

De resto, os exemplos históricos abundam, desde a Armada dos Gascões de antes da independência de Portugal (em 990), ainda hoje celebrada na Praça da Batalha, no Porto, até à hodierna rivalidade clubística Porto-Benfica, passando pela tanto omitida Lusitânia Setentrional (correspondente ao Entre-Minho-Douro-Vouga, as Terras de Santa Maria, mais antigas do que o Condado Portucalense), país criado (ou apenas bem observado) por Napoleão quando invadiu e dividiu Portugal em três, por meio do tratado secreto de Fontainebleau, que celebrou com a Espanha em 1807.

Por este caminho que leva a Europa, um erro estratégico de Lisboa (povo e dirigentes, residentes e conversos), similar ao cometido em Madrid no dia 11 de Setembro de 2013, pode vir a fazer converter o norte de Portugal num Portugal do Norte, autónomo ou independente. E adeus Portugal uno.

Luis Miguel Novais

Texto primeiro publicado no jornal Diário de Notícias, dia 16 de Setembro de 2013