Neste tempo de pestilência pelo novo coronavírus é difícil pensar noutra coisa. Mas o ineditismo do anúncio público por parte do Conselho Superior de Magistratura deste Portugal adormecido, de que há dois juízes ex-presidentes do Tribunal da Relação de Lisboa sob suspeita de terem viciado sorteios de distribuição de processos judiciais, merece reflexão.
Suspeita, convém recordá-lo, vem de peita ("sob-peita" dá "sus-peita"). E não tem que ser feminino. No dicionário Morais (edição de 1891), peita é "o dom que se dá a alguém, para que faça coisa indevida; e assim aos oficiais públicos, e ministros da justiça, para que faltem ao seu dever em favor de terceiro; dávida corruptora, suborno". Segundo o mesmo, já vem das Ordenações como "crime que consiste em praticar o funcionário publico um acto de suas funções por suborno". No mais recente dicionário de Figueirinhas de Eduardo Pinheiro (edição de 1945), porém, já o sentido da peita se diluíra um pouco: "Peita (do arcaico peito e do latim pactu): antigo tributo pago pelos que não eram fidalgos; dávida com o fim de subornar; suborno". Procurando, hoje, no Dr. Google, sai um conjunto de disparates.
Esta diluição do sentido de peita, e do princípio do Juiz Natural, parece suspeita.
Luis Miguel Novais
Riqueza, civilização e prosperidade nacional