Riqueza, civilização e prosperidade nacional

quinta-feira, 19 de março de 2020

Liberdade condicionada

Continuo a lamentar o modo simplório como o atual Presidente da República se dirige a este Portugal adormecido numa situação tão grave como esta. Um presidente que decreta estado de emergência não fala com alunos, nem procura obter maiorias (supostamente simplórias), dirige-se a todos.

Posto assim o modo, a substância fica remetida para o Diário da República. Que, praticamente, só lemos os profissionais. Num momento tão excepcional como este, seria desejável que todos os portugueses tivessem ficado a conhecer pela boca do Senhor Presidente da República aquilo que veio a ser publicado no assinalável Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março de 2020 (que bastaria, digo eu, ter sido lido pelo próprio):

1. É declarado o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública. Esta declaração abrange todo o território nacional.Tem a duração de 15 dias, iniciando-se às 0:00 horas do dia 19 de março de 2020 e cessando às 23:59 horas do dia 2 de abril de 2020, sem prejuízo de eventuais renovações.

2. Durante o estado de emergência fica parcialmente suspenso o exercício dos seguintes direitos:

a) Direito de deslocação e fixação em qualquer parte do território nacional:
- podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo o confinamento compulsivo no domicílio ou em estabelecimento de saúde, o estabelecimento de cercas sanitárias, assim como, na medida do estritamente necessário e de forma proporcional, a interdição das deslocações e da permanência na via pública que não sejam justificadas, designadamente pelo desempenho de atividades profissionais, pela obtenção de cuidados de saúde, pela assistência a terceiros, pelo abastecimento de bens e serviços e por outras razões ponderosas, cabendo ao Governo, nesta eventualidade, especificar as situações e finalidades em que a liberdade de circulação individual, preferencialmente desacompanhada, se mantém.

b) Propriedade e iniciativa económica privada:
- Pode ser requisitada pelas autoridades públicas competentes a prestação de quaisquer serviços e a utilização de bens móveis e imóveis, de unidades de prestação de cuidados de saúde, de estabelecimentos comerciais e industriais, de empresas e outras unidades produtivas, assim como pode ser determinada a obrigatoriedade de abertura, laboração e funcionamento de empresas, estabelecimentos e meios de produção ou o seu encerramento e impostas outras limitações ou modificações à respetiva atividade, incluindo alterações à quantidade, natureza ou preço dos bens produzidos e comercializados ou aos respetivos procedimentos e circuitos de distribuição e comercialização, bem como alterações ao respetivo regime de funcionamento.

c) Direitos dos trabalhadores:
- Pode ser determinado pelas autoridades públicas competentes que quaisquer colaboradores de entidades públicas ou privadas, independentemente do tipo de vínculo, se apresentem ao serviço e, se necessário, passem a desempenhar funções em local diverso, em entidade diversa e em condições e horários de trabalho diversos dos que correspondem ao vínculo existente, designadamente no caso de trabalhadores dos setores da saúde, proteção civil, segurança e defesa e ainda de outras atividades necessárias ao tratamento de doentes, à prevenção e combate à propagação da epidemia, à produção, distribuição e abastecimento de bens e serviços essenciais, ao funcionamento de setores vitais da economia, à operacionalidade de redes e infraestruturas críticas e à manutenção da ordem pública e do Estado de Direito democrático.
- Fica suspenso o exercício do direito à greve na medida em que possa comprometer o funcionamento de infraestruturas críticas ou de unidades de prestação de cuidados de saúde, bem como em setores económicos vitais para a produção, abastecimento e fornecimento de bens e serviços essenciais à população.

d) Circulação internacional:
- Podem ser estabelecidos pelas autoridades públicas competentes, em articulação com as autoridades europeias e em estrito respeito pelos Tratados da União Europeia, controlos fronteiriços de pessoas e bens, incluindo controlos sanitários em portos e aeroportos, com a finalidade de impedir a entrada em território nacional ou de condicionar essa entrada à observância das condições necessárias a evitar o risco de propagação da epidemia ou de sobrecarga dos recursos afetos ao seu combate, designadamente impondo o confinamento compulsivo de pessoas.
- Podem igualmente ser tomadas as medidas necessárias a assegurar a circulação internacional de bens e serviços essenciais.

e) Direito de reunião e de manifestação:
- Podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes, com base na posição da Autoridade de Saúde Nacional, as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo a limitação ou proibição de realização de reuniões ou manifestações que, pelo número de pessoas envolvidas, potenciem a transmissão do novo Coronavírus;

f) Liberdade de culto, na sua dimensão coletiva:
- Podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo a limitação ou proibição de realização de celebrações de cariz religioso e de outros eventos de culto que impliquem uma aglomeração de pessoas.

 g) Direito de resistência:
- Fica impedido todo e qualquer ato de resistência ativa ou passiva às ordens emanadas pelas autoridades públicas competentes em execução do presente estado de emergência.

A tanto monta o nosso atual estado de liberdade condicionada.

Luis Miguel Novais