Riqueza, civilização e prosperidade nacional

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

O Último dos Críticos

Em 1989 (ano que não posso deixar de recordar por ser o do meu casamento), ainda era eu aprendiz de jornalista, colaborador permanente do jornal "Semanário", onde escrevia semanalmente no destacável cultural "Mais Semanário". Pelos idos de maio (antes do meu casamento, que é de outubro), a magia apagou-se, porém. A bela arte do jornalismo foi-se. Senti-o então.

Recordo uma conversa formal com a nova coordenadora de não sei que secção do jornal, mas que devia ser importante. Uma conversa imensamente longínqua das preleções de Vitor Cunha Rego, que até aí dirigira o Semanário a alturas dignas de memória. A senhora dizia-me que o que eu escrevia (e foram muitos artigos, durante muitas semanas, nos anos de 1988 e 1989), não era jornalismo. Que o que eu escrevia era bem escrito, era até literatura, arte, mas não era jornalismo. Ainda contestei, recordo-o (entretanto, também já concluíra o meu estágio de advocacia, deve ter sido por isso), que os factos estavam lá. Que o que eu fazia era acrescentar uma narrativa, por vezes poética, para manter comigo o leitor, ao mesmo tempo que o informava. De nada valeu, porém: a senhora estava convencida da bondade das suas conclusões. Eu fiquei nas minhas, acabou o jornalismo para mim, despedi-me. E, vai-se a ver agora, não foi só para mim que veio o fim: o suplemento "Mais Semanário" acabou logo depois; o próprio jornal "Semanário" também. Como intuíra eu então, visto de agora premonitoriamente, o pós-modernismo não acabou apenas com o modernismo: acabou com a cultura literária.

Faleceu a 2 de fevereiro de 2020, aos 90 anos de idade, George Steiner. Talvez o último dos críticos literários.

Luis Miguel Novais