Recordo com prazer o ano de 1985, em que este Portugal adormecido se assumiu europeu. Felizmente, desde então. Volvidos que estão 40 anos.
Aquilo que é hoje a União Europeia é um "cadáver esquisito", para usar a expressão dos surrealistas do século passado (na realidade, assim ambígua, porque a expressão original francesa "cadavre exquis" quer mais dizer cadáver delicioso, ou algo do género; sendo conhecido que a bela língua portuguesa dá um tratamento especial a "esquisito", não necessariamente bom para os que não apreciam a diferença).
A União Europeia tem tanto de belo como de horrível. Este último pela pesada máquina burocrática, cheia de alavancas e botões que criam demasiados pequenos poderes, fomentadores da inércia e da corrupção. Encontro o belo na ânsia do verdadeiro - contradição nos termos apenas aparente. Hoje em dia, a União Europeia é a (única) afirmação nesta nossa nave especial da liberdade regrada pela lei. Um sítio bom para viver, portanto.
Na União Europeia o objetivo é a paz, não a guerra. É a liberdade de falar, não a censura. É a afirmação da diversidade, não do monolitismo. É a afirmação do multipartidarismo, não a ditadura. É a sobreposição do poder político ao poder da força do dinheiro. Numa palavra, aqui estamos pelo Direito. É quanto resulta da regra da condicionalidade. A boa regra da condicionalidade.
Que se traduz no seguinte (traduzindo do folheto distribuído ontem, em inglês, pela Comissão Europeia, "Orçamento da Europa - Reforçar o Estado de Direito" - 2028-2034):
"O respeito pelo Estado de Direito continuará a ser uma obrigação para todos os fundos do próximo orçamento de longo prazo da UE.
A combinação do apoio financeiro às reformas do Estado de Direito, juntamente com a aplicação de salvaguardas e condicionalidades, garantirá que o orçamento da UE seja protegido e utilizado para reforçar a democracia, o Estado de Direito, os direitos fundamentais e os valores da União.
O Estado de Direito é essencial para a democracia, a segurança e a estabilidade económica da Europa. Garante a proteção dos direitos, a punição da corrupção e o cumprimento dos contratos. E garante um ambiente estável e previsível para os cidadãos e empresas da UE".
De todas as muitas novidades que a enorme teia de tratados internacionais da União Europeia introduziram nas nossas vidas de cidadãos europeus, a da condicionalidade é a mais importante. por ser um travão de desmandos.
Para utilizar a feliz expressão, a outro propósito, de um dos pais da nossa pátria livre, herói da Revolução do Porto de 1820, Ferreira Borges: a condicionalidade é a "tesoura das unhas dos ditadores".
Luis Miguel Novais