O problema da habitação atravessa os tempos neste Portugal adormecido. Com a antiga estrutura familiar de morgadio ou casal, os filhos mais novos tinham de emigrar ou assumir carreiras fora de casa. E assim se resolvia o problema (varrendo-o para o lado), de modo insustentável numa sociedade como a de hoje, baseada na igualdade. Mas em que o acesso a habitação (própria ou arrendada) está cada vez mais dificultado.
A principal dificuldade atual encontro-a no conúbio entre políticos a necessitarem de financiamento (para vencerem eleições) e construtores a necessitarem de transformar metros quadrados em metros cúbicos (para comprarem melões). Os zonamentos não nascem por acaso. Em nenhuma parte a construção é livre. Nem nunca o direito fundamental de propriedade privada foi ilimitado (os muros antigos atestam os limites e delimitações milenares).
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, parece-me, demarca corretamente o que se deve entender, hoje, por direito fundamental de propriedade (artigo 17): "Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral".
Porém, a mesma Carta não resolve generalizadamente o problema da habitação (artigo 34-3): "A fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes". Deixando de fora a classe média. Entregue aos mercados e conúbios.
A resposta do Governo no Mais Habitação é, como é natural, de ideologia socialista. E, por conseguinte, errada. Mais Estado na habitação não traz mais habitação, traz mais despesa pública.
"Aumentar a oferta de imóveis para habitação". "Simplificar os processos de licenciamento". "Aumentar o número de casas no mercado de arrendamento". São objetivos políticos corretos, enunciados no Mais Habitação. Mas isso não se faz com mais Estado. Pelo contrário.
"Combater a especulação" e "proteger as famílias" também não se faz por meio de arrendamentos compulsivos ou a extinção dos vistos gold.
Como já dizia Gorbachev, o que interessa no capitalismo são os mercados. E ele sabia bem o que significava socialismo.
Mais Habitação, sim. Com mais muros de Berlim, não.
Luis Miguel Novais