Riqueza, civilização e prosperidade nacional

domingo, 8 de janeiro de 2023

Estabilidade Pôdre

Neste período cinzento e molhado, a que já chamamos o Inverno Marcelista deste Portugal adormecido, os governantes têm caído como pardais pelas capas dos jornais, em especial o Correio da Manhã. Quando fui administrador da Empordef estive para ser capa desse jornal especial. Não ter sido, ensinou-me que, apesar de tablóide, tem filtros de verdade. O que torna a espuma dos presentes dias realmente grave.

Passada uma década, e com o assunto das capas na baila (com o socialismo doentio a desvalorizar), parece-me edificante para a República contar o que comigo sucedeu: um dia, telefonou-me um assessor de imprensa do Ministério da Defesa Nacional, muito irado, praticamente a chamar-me imbecil, dizendo-me que no dia seguinte eu iria ser capa do Correio da Manhã. Título: Administrador da Empordef fica em Hotel de Luxo - recorde-se, num momento em que a Troika impunha austeridade e até o Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho "dava o exemplo" viajando de avião em Económica

O facto era verdadeiro: efectivamente, eu dormia em Lisboa em hotéis de luxo. Como não tenho casa em Lisboa, e já cheguei há muitos anos à conclusão que o barato sai caro, tal como faço na minha vida privada, pedi semanalmente ao secretariado para verificarem nas plataformas quais eram os hotéis de quatro e cinco estrelas que tinham o quarto mais barato para a semana seguinte, e fazerem a reserva segundo esse critério.

Naquela semana tocou-me, ironia do destino, dormir no Hotel Altis. Hotel de luxo onde, todos sabemos, o Partido Socialista se reúne nas noites eleitorais, felizmente nem sempre vitoriosas. Não era a primeira vez que lá ficara (embora tenha sido a última), inclusive na minha vida privada, e até com a minha família. Certamente por coincidência, a fatura da conta da estada dessa semana foi parar ao Correio da Manhã. E, é verdade, vinha passada em nome da Empordef.

Lá tive de explicar ao ignorante assessor de imprensa (apressado e ansioso como quase todos) como fazemos, as pessoas honestas quando trabalhamos com dinheiros alheios e temos direito a reembolso (procedimento que sempre apliquei, também na administração de empresas privadas): paguei do meu próprio bolso e entreguei a fatura para ser levada para aprovação de reembolso pelo devido valor (não necessariamente o facial), ao conselho de administração em que, naturalmente, não votei, por me encontrar impedido de o fazer em causa própria.

Deste modo, o assessor e, pelos vistos também os jornalistas do Correio da Manhã, lá compreenderam que eu estava no meu pleno direito de ficar a dormir onde me apetece. Porque não roubei nada a ninguém. Os meus colegas mandaram reembolsar-me apenas o que tinha direito. Se havia excesso, o custo era suportado por mim. Problema meu. Lá não fui capa do Correio da Manhã.

Conto esta história porque quero crer que os que vão parar à capa dos jornais é porque merecem estar lá. Não no Governo da res publica.

Luis Miguel Novais