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terça-feira, 25 de outubro de 2022

A memória e a lei da maçonaria

Enquanto cidadão, membro independente do sistema nacional de justiça, ex-militante do PPD/PSD, leio com muita preocupação o texto de Armindo Azevedo, Grão-mestre da Grande Loja Legal de Portugal, intitulado “A Lei da Memória e a maçonaria” (Jornal Público de 14 de outubro de 2022). 

Armindo Azevedo afirma, a propósito da obrigatoriedade de titulares de cargos públicos declararem em registo de interesses a sua filiação na maçonaria, que se trata de “salazarismo puro” e que “infelizmente, a imposição da obrigatoriedade viria a tornar-se uma realidade, devido ao sentido de voto combinado do PSD e do PAN. Sendo evidente, entretanto, que se registou uma mudança significativa na postura do partido social-democrata após a mudança da sua liderança, esperemos que se possa em breve reverter a decisão do Parlamento”. 

Refere-se, com certeza, ao rumor de que o atual presidente do PPD/PSD, Luis Montenegro, é maçon. Ou será que o afirma? Nesse modo ocultista que os “burros de ouro” (ou “não iniciados”) pensamos que deve ser o de um maçon? Que eu saiba, o próprio Luis Montenegro nunca o afirmou, nem desmentiu. Mas a “mudança significativa”, após a “mudança de liderança”, implica-o. O que me preocupa.

A maçonaria é uma obediência. Uma hierarquia. Tem um “Grão-mestre”, pelo menos um – já que nem sequer sabemos se é verdade que continua a existir uma linha de obediência “francesa” e outra “inglesa”. A tanto nos traz o secretismo. Digo-o, como é evidente, sem qualquer tipo de ódio, intuito persecutório ou salazarismo. Simplesmente, por divergência ideológica. 

Sou católico e cumpro o primeiro mandamento. Tanto bastaria para não me poder filiar na maçonaria. Ao que acresce, no plano racional, o texto da própria Bíblia: “A sabedoria de Salomão foi maior que a de todos os filhos do Oriente e maior que toda a sabedoria do Egipto” (Reis 5:10).

E sou português e cumpro a Constituição da República Portuguesa de 1976. Não tinha idade para votar na Assembleia Constituinte que a veio a aprovar, mas revejo-me no equilíbrio que nela foi encontrado. E que se mantém, até hoje. Tendo eu vivido em criança uma revolução, sou dos que pensam que é sempre melhor uma constituição democrática, como a que temos, e na qual todos cabemos, do que outra revolução.

Ora, nos termos da nossa Constituição atual, mais do que memória e liberdade de associação, cabe transparência na participação na vida publica. “Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objetivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos” (diz, por exemplo, o artigo 48º, nº2, da nossa Constituição). 

Porque a “República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” (art. 2º da nossa Constituição). 

No pleno respeito pelo princípio da igualdade, segundo o qual: “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” (art.13º, nº2, da nossa Constituição). 

A obrigatoriedade de titulares de cargos públicos declararem em registo de interesses a sua filiação na maçonaria serve, portanto, para sabermos quem é quem: será o atual Presidente da Assembleia da República maçon?  Será o atual Presidente do Conselho Superior da Magistratura maçon? Se sim, como pode haver a separação de poderes prevista na Constituição? E, sendo a maçonaria uma obediência hierarquizada, afinal quem manda em quem?  

Ninguém quer hoje, penso eu, perseguir a maçonaria. Mas também nem todos queremos viver segundo as suas leis. A mim, basta-me a Constituição da República Portuguesa. 

Luis Miguel Novais

(Texto primeiro publicado no Jornal Público de 21 de outubro de 2022, aqui).