Passei grande parte do ano 2020 a escrever agumentos para filmes e séries audiovisuais.
O confinamento trouxe uma substancial redução nas minhas outras atividades e, ainda por cima, a minha filha Marta acabara de se licenciar em Som e Imagem pela Universidade Católica. Estivemos os dois divertidos (dentro do possível) em casa a produzir, em contacto com alguns produtores com obra feita. Até concorri ao concurso de argumentos portugueses da Netflix (e perdi, com a justificação de que, na altura, como era natural, não estavam interessados em "filmes de época", que eram as minhas duas propostas de guiões, baseados nos meus livros em publicação Princesa Rei e Natal com Pombal). Algumas dessas obras audiovisuais (que incluíram também uma adaptação de A Janela do Cardeal e Our Heritage, um documentário sobre a protecção do Património Mundial), por assim dizer, filhas do confinamento, encontram-se em desenvolvimento - o que, aprendi entretanto, nesta indústria não quer dizer necessariamente que venham a passar ao ecrã.
Ao escrever argumentos, impus-me não enunciar violência de qualquer tipo. Fiz questão de que assim fosse. E até encontrei alternativas bem divertidas de criar tensão sem precisar de mostrar sangue ou armas. Concluo que é por pura estupidez que se continua a explorar nos ecrãs formas (cada vez mais) explícitas de violência - com o animal argumento de que é o que as pessoas querem ver, ou na formulação políticamente correcta: "porque é o que vende". Ainda há pouco tempo, vi com desgosto a última temporada de A Casa de Papel, que para mim é mesmo a última porque apostou na estúpida e insuportável violência - quando, até aí, tinha primado pela inteligência. O homicídio (mesmo que por negligência) de uma cineasta por um actor esta semana, em pleno set de filmagens, fala por si. A quem serve a violência? Ademais pseudo-fingida?
Arrelia-me solenemente que andemos a fazer leis internacionais nas Nações Unidas (uma grande aquisição civilizacional que nos distingue dos outros animais) que não passam do papel. Estou a pensar, por exemplo, no Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966 que diz, expressamente, que a liberdade de expressão sem interferências encontra contraponto em deveres e responsabilidades (por parte dos Estados, titulares de televisões, rádios, jornais, redes sociais e demais produtores, autores, distribuidores, pessoas singulares ou coletivas e you name it) para com os direitos ou reputação de terceiros, e a proteção da segurança nacional ou da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas - é assim que está escrito no artigo 19 (aqui).
Basta de bang bang, seringas a toda a hora e feios, porcos e maus. Chamam a isto arte?
Luis Miguel Novais