Riqueza, civilização e prosperidade nacional

sábado, 10 de novembro de 2012

Como organizar Portugal


O sábado chuvoso de hoje, aqui no Porto, levou-me a mudar de sítio alguns livros da minha biblioteca. Quem a conhece sabe que a prefiro orgânica, tributária da lógica difusa, própria da natureza, em vez de organizada numa lógica artificial. As vantagens deste método, num corpo grande como é a minha biblioteca, são várias, mas a que eu prefiro é mesmo a das prendas que assim ganho, por meio de relações novas e inesperadas ou, tão somente, livros esquecidos. Como o pequeno livrinho de Fernando Pessoa com o título "Como organizar Portugal", uma edição de 2006 da Editorial Nova Ática do texto primeiro publicado, em 1919, na Acção. Um oportuno achado de sábado chuvoso com o que, passados quase cem anos, ainda nos ocupa. Contendo pérolas destas:

- "Durante quatro anos suportaram os aliados embates sobre embates dos alemães. Aguentaram-os conforme os deuses foram servidos, ora bem, ora mal, ora confiando, ora descrendo, até que o mais velho dos deuses, o tempo, lhes concedeu a vitória".
- "E durante esses quatro anos, e através da dura experiência que eles foram, aprenderam (com que proveito, ainda não se sabe) pelo menos uma coisa. Repararam que a força da Alemanha provinha, não da valentia notável dos componentes individuais... mas de ser... uma nação plenamente organizada, coerindo dinamicamente em virtude de uma aplicação inteligente e estudada dos princípios da organização".
- "A inveja é a mãe do estímulo, como a curiosidade o é da ciência; da inveja da organização alemã nasceu o falar-se tanto em organizar tanta coisa".
- "Um século, ou mais, de princípios de 1789, de liberdade, igualdade e fraternidade, tornou o geral dos europeus, salvo os alemães, obtuso para aquelas noções concretas, com as quais seguramente se constrói o futuro".
- "O remédio a aplicar tem de ser um transformador mental, criador de interesse e de energia, e, ao mesmo tempo, uma cura para o atraso da nação. Ora há só um género de transformação, aplicável a uma nação inteira, e pela qual se lhe avive o espírito e se lhe desperte interesse e vontade: é uma transformação profissional".
- "É evidente que a única transformação profissional a fazer, e que preenche todas as condições exigidas, é a industrialização sistemática do país".
- "Educação simultaneamente da inteligência e da vontade, transformador ao mesmo tempo da mentalidade geral e do atraso material do país, o industrialismo sistemático, sistematicamente aplicado, é o remédio para o mal de Portugal".
- E se, de há muito, esse remédio nos tem sido necessário, na conjuntura presente, em que, pelas condições da indústria moderna, pode ser rápido e, pelas condições gerais da civilização, tem que ser urgente, passa de ser uma necessidade, para ser a primeira de todas as necessidades".
- "Detalhar esse plano fundamental, assentar as suas bases práticas, estabelecer o modo de lhe dar realização - nenhuma destas coisas é objecto deste estudo ou assunto da minha competência. O que me cabia fazer está feito".

Fernando Pessoa dixit. Mutantis mutandis, mantém actualidade neste Portugal adormecido. Continuamos a necessitar de um Governo que o implemente, para nossa surpresa. Como a minha biblioteca orgânica de livros em papel: afinal tão viva e surpreendente. Aguardemos surpresas igualmente agradáveis da visita de Estado da industrial sistemática Alemanha a Portugal esta semana que vem.

Luis Miguel Novais