Riqueza, civilização e prosperidade nacional

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Santiago do Caminho

Por alguns minutos, perdemos ontem o ocaso em Finisterra. Ainda bem. Assim teremos de voltar. Ainda não é o fim do Caminho.

Em recuperação do acidente corporal que me levou ao Hospital por bem três vezes em 2019, a Isabel e eu pusemo-nos a fazer o Caminho de Santiago. Intermitentemente, com pandemia pelo meio. Circulando. Deambulando. Caminhando. Ontem, chegámos.

Não há propriamente um Caminho de Santiago. É uma ideia mágica. Interior. Tem tanto de racional como de emocional. Não tem de ser a pé. Nem linear. Nem contínuo. Assim tem sido desde há mais de mil anos. Percorrido como peregrino. De cada um sabe porquê e, consigo só Deus, sabe o quê.

O Hostal dos Reyes Católicos, na Praça do Obradoiro de Santiago de Compostela, reclama ser, possivelmente justamente, o mais antigo Hotel do mundo - começou a funcionar pelo ano 1510. Os seus vetustos muros já viram de tudo. O pequeno-almoço bufete agora, neste rescaldo de pandemia, serve-se com pinças individuais. Uma grata evolução higiénica (é curioso notar como ainda estamos a evoluir).

Outra grata evolução é o Museu do Pobo Galego. De um núcleo etnográfico de finais do século XX, está neste momento (de há duas semanas para cá) a evoluir para uma narrativa de um povo singular, que é comum à da parte Norte Litoral deste Portugal adormecido: a Callaecia do romano Decimus Iunus Brutus deu origem à Galiza... mas tinha capital original (segundo os autores romanos clássicos) na minha Braga natal. À nossa atenção, em sede de regionalização.

As Entre-ruas do velho casco histórico de Santiago de Compostela continuam mágicas. Desafiando a lógica rectangular das cidades construídas à romana, só estas travessas para iniciados permitem circular rapidamente entre as ruas paralelas, como rios. Alguns ainda as aproveitam para verter águas pouco higienicamente. Mas, em compensação, numa delas (segredo homónimo) come-se magnificamente um pulpo à feria e umas zamburiñas de fazer querer nunca mais acabar o Caminho.

Na minha juventude, aqui passei um período de estudos que, à boa maneira da Movida dos anos 80 do século passado, melhor se concretizava no Caminho do Paris-Dakar - que correspondia a começar a noite no bar Paris e só acabar no Dakar, com muitas etapas de permeio. Parece que a pandemia actual fechou este último. Uma involução.

A Catedral continua imponente e solene, agora de torre alta iluminada em projecção a branco e roxo, visível de toda a noite de ruas e entre-ruas do Caminho, recordando-nos o prolongamento do Ano Xacobeo de 2021 para 2022. E para sempre.

Quando chegámos a Finisterra, vimos a luz do farol. Sob a da Lua. Hoje, há Sol. Desejo, daqui e de sempre, de peregrino: "Bom Caminho"!

Luis Miguel Novais