Em junho de 1980, tinha eu então 16 anos de idade, completei o décimo-primeiro ano de escolaridade no Liceu António Nobre, no Porto, com notas que me dispensaram de exames orais. Preparava-me para gozar três meses de férias. Quando minha mãe (mais uma vez) mudou o meu mundo: inscreveu-me (assim literalmente, é uma mãe minhota, daquelas que já surpreendiam pela sua determinação os romanos do tempo de Plínio, na História Natural), nos cursos de admissão à licenciatura em direito da Universidade Católica no Porto. Sabendo que eu queria estudar direito, nem se preocupou em perguntar-me se era isso que eu desejava: assim, pelo menos, eu não iria para Lisboa ou Coimbra, limitou-se a dizer-me.
A verdade é que lá entrei para o ano zero do curso com 16 anos de idade e, felizmente, a Universidade Católica passou a integrar-me como alma mater, onde hoje retribuo como posso, com o meu modesto contributo. Na altura, deu-se um fenómeno muito curioso: direito era um curso novo no Porto, e os nossos professores vinham, grosso modo, metade da faculdade de direito de Coimbra, e a outra metade da faculdade de economia do Porto. Estávamos nos alvores da economia de mercado. Este Portugal adormecido ainda nem integrava a Comunidade Económica Europeia. A União Europeia ainda não existia. Mas, felizmente, lá nos formaram assim híbridos. Capazes de compreender e disseminar o potencial para a humanidade da economia de mercado temperada pelo direito, essa grande invenção da parte da humanidade que busca justiça.
Vem isto a propósito de duas notícias da capa de hoje do jornal L'Osservatore Romano: de um lado, o Papa Francisco a clamar justamente contra a enorme desumanidade que resulta de nem todos os seres humanos terem acesso a água potável; de outro lado, a FAO a divulgar um estudo que indica que metade da fruta e da verdura produzidas no mundo são desperdiçadas. Citando o próprio Papa Francisco, como poderia também dizê-lo minha mãe, e cada um de nós: uma vergonha! Produto da economia de mercado que, espero eu, haveremos de reparar com a humanidade de mercado.
Luis Miguel Novais
Riqueza, civilização e prosperidade nacional