Riqueza, civilização e prosperidade nacional

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

O Homem Providencial

Numa análise lúcida sobre Portugal, publicada em livro em 2014, Gabriel Magalhães ensaia sobre a existência do "polvo" (eu chamo-lhe invisíveis correntes, e penso sobre estas o que se costuma dizer sobre a existência das bruxas), e os dois remédios mais utilizados em Portugal para o combater: as revoluções e o homem providencial.

Na altura em que esse livro foi publicado (pela Planeta, sob o título Como Sobreviver a Portugal - Continuando a ser Português), Aníbal Cavaco Silva ainda era o Presidente da República Portuguesa. E tendo a concordar com a opinião sobre ele aí expressa por Gabriel Magalhães: "parecia, também ele, assumir um destino providencial. Vinha de Boliqueime - e via-se bem que se criara numa aldeia portuguesa dos Algarves. Tinha - e tem - na voz asperezas agrícolas de cavador de enxada. Foi ele quem pronunciou aquela célebre frase: "deixem-me trabalhar!" Com efeito, trata-se de uma afirmação espantosa, na qual um homem com a vocação de dar a volta ao país verbera as "forças do bloqueio", o tal polvo que nos tem presos. Mas o que é Cavaco Silva hoje em dia? Basicamente alguém que fez o seu caminho nas estruturas políticas, chegando ao topo da carreira que o sistema eleitoral lusitano oferece ao povoléu. Porque, como vimos, por cima do Presidente existem ainda outras constelações de poder bem mais elevadas do que ser o mais alto magistrado da nação. Daí que a percepção que a cidadania tem hoje de Cavaco Silva seja tendencialmente crítica: ele acabou por desiludir como homem providencial. Ou dito por outras palavras: foi o homem providencial de si mesmo - e não aquele que a nação esperava".

Vem isto a propósito do ressurgimento público de Aníbal Cavaco Silva, mais um ex-homem-providencial deste Portugal adormecido.

Luis Miguel Novais