A nossa atual Constituição corresponde, grosso modo, ao texto das Cartas de Direitos Civis e Sociais da Organização das Nações Unidas, além de um modo sui generis de organização do poder político - fraccionando poderes em ziguezague, à boa velha maneira do "dividir para reinar". Tem a sua génese há 50 anos. Apesar de longa e pouco legível, é equilibrada, democrática, honorável. Ainda está em muitos pontos por cumprir, neste Portugal adormecido. Mas ainda bem que a temos e podemos lutar, no dia a dia, pela sua execução.
Explicando a um amigo imigrado em Portugal as invisíveis correntes que nos movem ocultamente, como quando olhamos um rio e apenas vemos a água da sua superfície, assinalei-lhe a Igreja (que em Portugal quer dizer maioritariamente Católica, ela própria com diversas Ordens), e a Maçonaria (tradicionalmente ramificada às Inglesa e Francesa, cujos caminhos também vão dar a Roma). Ambos templos com muitas salas. E muito presentes nos pequenos grandes poderes públicos, das escolas às universidades, dos hospitais aos tribunais, da RTP aos partidos, por todo o lado. Invisíveis correntes deste rio à margem do qual nos sentamos (a maior parte do tempo meramente a observar), os independentes. Aqueles que, na realidade, decidimos as eleições. Nas quais participamos mesmo sabendo que uma grande parte do Estado se encontra capturado, do mero pistolão à feia corrupção, porque "anda meio mundo a tentar enganar o outro meio". Ainda vale muito a pena o sufrágio eleitoral e a limitação dos mandatos de autoridade. Pelo que, tudo somado, é dia de comemorar e oferecer um viva à Constituição da República Portuguesa!
Também disse ao meu amigo (que aqui vive por sermos, para ele e demais legalmente isentos de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, a Florida da Europa) que neste nosso jardim solarengo e de bons ventos, aquilo que nos deixa unidos há séculos é uma elevada frase batida e também proferida pelos revolucionários na madrugada de 26 de abril de 1974: "limitar o exercício da autoridade à garantia da liberdade dos cidadãos".
Luis Miguel Novais