Riqueza, civilização e prosperidade nacional

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Transparência e strip-tease

O direito de um Estado conhecer o património de um seu novo funcionário é imposto aos gestores públicos neste Portugal adormecido a título de enxovalhamento e não de transparência. Não conheço mais nenhuma função pública (não confundir com política) em que isso suceda. Porventura os próprios juízes do Tribunal Constitucional, para já não dizer os demais juízes e magistrados judiciais, o fazem? Há algum registo do seu património anterior? E dos professores que dirigem escolas ou universidades? E dos tesoureiros? E dos...

Senti na pele esse pedido de strip-tease inconstitucional e objetei de consciência (juridicamente formada). Aquilo que o Estado me pediu e me pareceu natural fazer (e fiz) foi declarar o meu registo de interesses (à Inspeção Geral de Finanças) e de atividades (ao Ministério Público). O resto, que o Estado tinha de conhecer, porque é público, por via dos registos apropriados, está à distância de um mero clique: Registo Predial, Registo Comercial, Registo Automóvel, etc. E o demais é reserva de vida privada, constitucionalmente tutelada.

Como diz um amigo meu (que já assumiu relevantes funções públicas de policiamento): "transparência não é strip-tease". Não me parece mal que os novos gestores públicos da Caixa Geral de Depósitos também batam com a porta. Nem me surpreende que só venhamos a ter incompetentes a gerir bens públicos. A isto chamo politiquices de enxovalhar. Servem para afastar os competentes e poderem reinar os…

Luis Miguel Novais


Post-scriptum de 17/11/2016:

Não me tinha apercebido de que, para os efeitos da "lei de controle público de riqueza dos titulares de cargos políticos" (Lei nº4/83), os juízes do Tribunal Constitucional não são juízes, são políticos. O defeito será meu, será da lei, será da sociedade, mas a verdade é que estou acostumado a recorrer (como advogado) de Direito e não de Mercê para o Tribunal Constitucional. Na verdade, os juízes do Tribunal Constitucional têm esta dupla qualidade: são juízes em matéria de Direito (em matérias de constitucionalidade) e juízes em matérias políticas (fora dos recursos de inconsticionalidade no caso concreto). O que a lei fez foi optar pelo carácter político da função, que não é exclusivo.

Já agora, mantendo o demais dito no texto, acrescento a enuneração dos demais cargos públicos que são equiparados a cargos políticos para os efeitos desta lei, além dos gestores públicos; Titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado, quando designados por este; Membros de órgãos executivos das empresas que integram o sector empresarial local; Membros dos órgãos directivos dos institutos públicos; Membros das entidades públicas independentes previstas na Constituição ou na lei; Titulares de cargos de direcção superior do 1.º grau e equiparados.

Mea culpa em relação ao enunciado da lei, embora mantenha a objecção de consciência, perante esse mesmo enunciado normativo em que (mais uma vez) estamos a ser mais papistas do que o próprio Papa. Nesta lei diz: "Qualquer cidadão pode consultar as declarações". Se isto não tolhe a reserva da vida privada, será ver os cidadãos-ladrões a fazerem fila à porta do Tribunal Constitucional para tomarem notas. É fartar vilanagem.

Lusi Miguel Novais