Riqueza, civilização e prosperidade nacional

domingo, 31 de agosto de 2008

Balança ou Balanço do Commercio

" Para se comprehender perfeitamente o que importa esta palavra, cumpre partir de mui longe. Ella é resultado d'um erro de grandes consequencias, e merece mais algum espaço de reflexão. A sciencia chamada economia politica, como sciencia sobre si é de mui moderna data; e por ventura está ainda longe da perfeição: tem ja muitos axiomas, mas tambem lhe sobejão ainda muitos problemas a resolver. Na sua infancia esta sciencia teve diversas escolas ou systemas, porque alguns derão preponderancia á agricultura, outros ao commercio, e outros ás manufacturas, como origem produtora das riquezas d'uma nação, até que a palavra trabalho, e a theoria da sua divisão debellou os systemas, e venceu os scismas, que precederão a sciencia.

Para conhecimento da palavra sobre que escrevemos basta falarmos aqui do systema mercantil. O principio fundamental deste systema, e que os seus sectarios tem tratado d'axioma é que a riqueza consiste na moeda, ou no ouro e prata. A facilidade de trocar estes metaes por qualquer outro genero, o habito daqui derivado de calcular, segundo o seu typo, a riqueza de cada individuo occasionou daqui um erro natural e geral. Firmado este principio veio a questão:

«como é que se augmenta o dinheiro d'uma nação qualquer?»

Quando uma nação tinha minas d'ouro ou prata o meio obvio foi fechar em si mesma todo o producto, e prohibir-lhe a exportação com as penas as mais severas. Assim fez Portugal e Hespanha, em vão, como necessariamente havia de ser.

Não tendo minas a Nação, o ouro e prata so podia obter-se dando por eles outros generos em troca. Supposerão que uma nação que exportasse o valor d'um milhão, e que importasse so o valor de meio milhão, o resto viria em ouro ou prata, em dinheiro, e que isto devia augmentar a riqueza da nação. Exportar muito, e importar pouco, eis-ahi o que se concebeu como o grande meio d'enriquecer uma nação. A differença entre a exportação e a importação chamou-se balança, ou balanço do commercio, e considerou-se como o grande criterio da prosperidade comercial. Se a exportação excedia numericamente a importação, chamava-se favoravel o balanço: se pelo contrario, desfavoravel.

Se o balanço se mostrava desfavoravel recurria-se a meios de diminuir as importaçoens e augmentar as exportaçoens. Eis-aqui a origem dos direitos prohibitivos ou pesados, dos direitos protectores, das gratificaçoens, dos drawbacks, e das prohibiçoens absolutas dos generos por entrada.

Toda a ideia de balanço de commercio é fantástica e quimerica; mas desgraçadamente o erro está de tal sorte arreigado, que ainda é de bem poucos conhecido.

Em toda a troca que se faz com o extrangeiro a nação ganha bem como o individuo, nem faz differença alguma, que os retornos venham em fazendas, ou em ouro. O principio do systema mercantil funda-se na supposição de que o que é ganho por uma nação é perda pela outra. Daqui vierão os antigos violentissimos ciumes de naçoes visinhas. Tanto mais proximas erão, maiores erão as restricçoens, e prohibiçoens. Nada mais absurdo.

Quanto mais proximo é o paiz mais vantajoso é o seu commercio: approxima-se mais ao commercio interno na rapidez dos retornos, e pode manter-se com menos cabedal, porque não ha tanto empate.

O plano por tanto d'empobrecer os nossos visinhos é completamente erroneo. Tanto mais ricos forem, tanto melhores freguezes serão de nossos generos, e maior sera o beneficio, que derivemos do seu trafico. N'uma palavra os sectarios do systema mercantil olharão para as transacçoes commerciais de nação a nação como para uma mesa de jogo, em que dous poem em cima della só dinheiro, e d'uma só espécie, apostão ou contendem, e pagão a diferença ou balanço na mesma especie, sendo necessariamente o ganho d'um a perda do outro.

Se a troca commercial se fizesse de especie a especie identica, isto é uma cousa do mesmo pezo, feitio e toque por outra de igual pezo, feitio e toque, as deducçoens do sistema mercantil poderiam ter cabimento: mas se as cousas de troca são sempre diversas, com intervenção de respectivo trabalho diverso, aptas a satisfazer a necessidades e appetites diversos, a paridade do jogo não procede, o systema mercantil é erroneo, e do seu balanço de commercio nada pode derivar-se, que justifique as suas restriçoens, e prohibiçoens".

José Ferreira Borges, Diccionario Juridico-Commercial, Lisboa, 1839, pgs.53-54.